Escrito por: José Miguel Nunes “…surfing is a phenomenologically unique experience, something novel, ineffable and transcendental.” - Leslie Kerby
Em pouco mais de uma semana li dois artigos que achei bastante interessantes, um na emblemática Surfer Magazine, e outro na portuguesa SurfTotal, e que cada um deles, com abordagens diferentes, colocam o dedo na ferida relativamente ao modelo, não muito promissor, na minha opinião, em que o surf está a assentar. Há um par de meses, escrevi que falta cultura de surf a quem toma decisões relativamente ao surf em Portugal. Já tinha escrito há bastante mais tempo, que hoje em dia, a maioria dos miúdos aprendem primeiro a fazer surf do que a serem surfistas, e acrescento agora, muitos deles nunca chegam a ser surfistas, continuam apenas a saber fazer surf, e em alguns casos bastante bem. Na esmagadora maioria das escolas e academias de surf que por aí existem, ninguém lhes ensina que ser surfista, é muito mais do que mandar pauladas verticais e fazer tubos profundos. Ninguém lhes ensina que ser surfista, é conhecer o “crowd”. Ninguém lhes ensina que ser surfista, é saber o lugar que devem ocupar dentro de água. Ninguém lhes ensina que ser surfista é reconhecer e respeitar uma hierarquia na água, e que um dia irá chegar a sua altura. Ninguém lhes ensina que ser surfista é perceber que o cota que lá está à frente tem trinta ou quarenta anos de surf, e que já não tem braços para competir com ele na remada, e que por isso não deve ir lá pressionar. Na esmagadora maioria das escolas e academias de surf que por aí existem, ensinam os miúdos a fazer surf e a competir, a competir de forma animal, só, nada mais. Ninguém lhes ensina as origens do surf, a conhecerem a sua história, a saberem que quase desapareceu e porquê, a saberem da sua importância social nas comunidades onde se desenvolveu, a conhecerem e a sentirem o significado que uma prancha tem para um surfista, a sentirem a sua espiritualidade e o contacto com a natureza. Grande parte dos jovens “surfistas” sabe, porque ouviu dizer, que o surf nasceu no Hawaii, apenas isto, nada mais. Já agora, aproveitando a ocasião, nem isso é exactamente assim, se estivermos a falar de surfing e não de surf, mas mesmo que fosse, saber apenas isto sobre a história do surf é manifestamente pouco para quem se diz ser surfista. Se o ser surfista se restringir apenas a surfar bem e competir, de modo a satisfazer, por um lado, economicamente, uns, e por outro, os egos de outros, para além do dele, em que os autocolantes na prancha de última geração são mais importantes do que a onda que se pretende apanhar com ela, então o surf tem uns dias bastante negros à sua frente.
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Dezembro 2016
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