Escrito por: José Miguel Nunes Vamos então lá falar um pouco deste MEO RIP CURL PRO PORTUGAL, edição 2016. Este ano, pela primeira vez desde 2009, não me foi possível acompanhar nenhum dos dias de prova na praia, no entanto não perdi pitada via “webcast”. Genericamente foi assim. Começámos nos Supertubos com ondas medianas, fomos até ao outro lado para ondas de excelência e voltámos aos Super para terminar com ondas boas. As previsões para os Supertubos acabaram por não se concretizar, o “swell” nunca encaixou na perfeição na bancada, o que provocou inconsistência, com ondas muito boas a apareceram de forma aleatória no meio de séries de ondas menos boas. Se o início de competição em Supertubos arrancou com ondas relativamente pequenas, ainda que com formação razoável, potenciando as manobras aéreas, a passagem para o Point Fabril foi outra história, e ondas de luxo na casa dos dois metros e meio fizeram as delícias de competidores e espectadores. O regresso ao palco principal da prova para terminar a competição, apresentou mais qualidade que os dias iniciais e, não faltaram os tubos a fazer jus ao famoso “spot”, merecedores alguns, de notas na casa do excelente, com a cereja no topo do bolo para o dez de Jordy Smith nos quartos-de-final. Acima de tudo o evento deste ano veio confirmar o que toda a gente já sabe, Peniche é o único lugar em Portugal continental com condições para satisfazer os altos padrões de qualidade relativamente às ondas, exigidos pela WSL para receber a nata do surf mundial. Ficou mais uma vez claro, que se a WSL quer ter um evento em Portugal continental onde a garantia de qualidade do mesmo não decresça em consequência das ondas apresentadas, independentemente da direcção do “swell” e do vento, só o pode realizar em Peniche. Sagrámos, finalmente nas nossas ondas, um campeão do mundo, e Peniche já o merecia. John John Florence, que provavelmente gostaria de se sagrar campeão em casa, em Pipeline, acabou por fazê-lo noutro Pipeline, no europeu, em Supertubos. Agora a outra face da moeda, e apesar de não ter acompanhado, como já referi em cima, “in loco” o evento, tive oportunidade de observar a montagem da estrutura nos dias antecedentes. Continuo a achar a estrutura na praia (palanque) muito grande, apesar de se notar uma melhoria nesse aspecto relativamente a anos anteriores e, continuo a achar que esta poderia inclusivamente estar sobrelevada mais uns quantos centímetros, protegendo deste modo um pouco mais a duna. Continuo ainda a achar que o palanque está uns 50 metros aquém do local onde deveria estar. Como também já escrevi, não neste texto, mas noutros e, faço questão de o reforçar, o tratamento por parte da organização do evento para com a comunidade surfista local tem sido inqualificável, com o expoente máximo a acontecer com a atribuição dos “wild-cards”, conforme escrevi AQUI. Como se não bastasse, este ano ainda “vêm gozar o prato”, atribuindo uma vaga a um local para a “expression session”. Deve ter sido uma galhofa na banca da Corona entre os amigalhaços lá do sul. Esperemos então pelo próximo ano, com os sinceros desejos que os melhores do mundo nos voltem a brindar com a sua presença, pois é um privilégio poder recebe-los e vê-los competir nas ondas penicheiras. Que a atitude relativamente aos surfistas locais por parte da organização possa mudar e, finalmente que o nome PENICHE passe a constar no “naming” do evento, como é justo que conste. Até lá… boas ondas…
1 Comentário
Escrito por: José Miguel Nunes Como sabem, porque está escrito inúmeras vezes, desde sempre fui um acérrimo defensor desta etapa em Peniche. Com o aproximar de mais um campeonato tenho-me perguntado o que o RIP CURL PRO efetivamente tem dado aos surfistas de Peniche desde 2009? A resposta é simples e, resume-se a quatro palavras: INDIFERENÇA, HUMILHAÇÃO, ARROGÂNCIA e DESRESPEITO. A não atribuição de um “wild-card” a um surfista local ao longo destes oito anos de prova por cá realizada, é apenas o expoente máximo da INDIFERENÇA, traduzida no prazer sórdido que sentem em HUMILHAR os surfistas de Peniche, numa clara demostração de ARROGÂNCIA e DESRESPEITO sem paralelo em nenhuma das provas da WSL realizadas em Portugal. Vejamos, em 2009 atribuiu-se um “wild-card” a um atleta com a justificação que este se encontrava seis lugares à frente de um surfista local no “ranking” nacional. Oito anos volvidos, atribui-se um “wild-card” a um atleta que está onze lugares atrás de um surfista local no “ranking” nacional. Não descortino qualquer coerência nestas decisões, a não ser o prazer de HUMILHAR os surfistas de Peniche numa prova realizada na sua terra. É uma pena que nos tratem assim. Apenas uma nota final para dizer que não coloco em causa o valor dos atletas aos quais foram atribuídos os referidos “wild-crards”, mas também não admito que coloquem em causa o valor dos atletas locais que foram preteridos nessa escolha. ATUALIZAÇÃO Cumpre-me informar que hoje, dia 30, houve por parte da ONFIRE correção da notícia, com a inclusão da referência à PRAIA DOS SUPERTIBOS e a PENICHE como local de realização do MEO RIP CURL PRO PORTUGAL. Fico efetivamente agradado com esta correcção que considero da mais inteira justiça. ________________________________________________________________ Escrito por: José Miguel Nunes Voltemos a um assunto sobre o qual tenho sido bastante crítico ao longo dos últimos anos. Refiro-me concretamente à referência a Cascais como um dos locais de realização da etapa do World Tour que passa por Portugal. Finalmente fez-se justiça e no calendário de provas do “site” oficial da World Surfing League (WSL) já não consta a injusta referência a Cascais. PENICHE CENTRE REGION, PORTUGAL é neste momento a identificação do local de realização do MEO RIP CURL PRO PORTUGAL. Quero aqui expressar o meu mais profundo agrado por esta alteração, e desenganem-se aqueles que vêm nestas palavras qualquer tipo de animosidade relativamente a Cascais, nada disso, apenas e só por assim se falar finalmente a verdade, e a verdade é muito simples: a etapa do principal circuito mundial da modalidade que passa por Portugal tem efectivamente lugar, e sempre teve, em águas penicheiras. É uma questão de justiça, é uma questão de verdade, e se assim é, então que assim seja comunicado. Para que seja perfeito falta apenas a questão do “naming”, MEO RIP CURL PRO PORTUGAL, o qual continua a omitir o nome de PENICHE. Esperemos que possa também vir a acontecer, e que o nome de PENICHE esteja onde por direito deve estar, passando em definitivo para MEO RIP CURL PRO PENICHE. Mas para que se perceba melhor a importância destas coisas virem efetivamente no “site” da WSL, é porque se assim não for, a imprensa, nomeadamente a portuguesa continua com dificuldades em perceber esta dinâmica. O exemplo mais recente é da ONFIRE, um dos principais meios de comunicação especializados a nível nacional, que no seu último artigo sobre um dos “wild cards” para o Meo Rip Curl Pro Portugal não refere o nome de Peniche uma única vez ao longo de todo o texto, escrevendo apenas que o campeonato se realiza na região centro de Portugal, o que ainda é mais grave, pois a região centro é enorme. O lóbi continua a fazer das suas, e é pena que orgãos que deveriam primar pela sua independência não o façam. Cabe-nos a nós, penicheiros, denunciar estas situações e defender o bom nome de PENICHE.
Escrito por: Lisa Marques Tenho referido em conversas com amigos a pertinência de começarmos a olhar para o surf sobre várias perspectivas, e sobre as suas diversas ramificações, muitas vezes contraditórias à génese do surf. Acredito que só podemos compreender o que se está a passar no universo do surf, se o olharmos através de prismas distintos:
Desde que comecei a surfar, há mais de uma década atrás, tenho assistido a um crescimento no mundo do surf, e fui obrigada a encará-lo enquanto Surfista, estudante de turismo, e cidadã atenta ao boom da industria do surf e suas implicações naquele que escolhi ser o meu lifestyle. Tive a sorte de absorver um pouco da cultura do surf e dos seus valores, que me foram passados nos primeiros anos de aprendizagem, através da observação e da auto-superação. O mar foi-me apresentado como o “Todo Poderoso” e a “Mãe Terra” geradora de todas as formas de vida, numa concepção animista repleta de magia e pureza. A comunhão e respeito pela Natureza e pelos surfistas mais antigos, eram valores comuns na minha comunidade de Surf. Estes Soul Surfers, acreditam e transmitem os valores do Surf, utilizam o Mar como um templo de auto descoberta e criação, e referem com frequência que o Mar é o seu Deus e a sua religião, porque é nele que se esclarecem. É a essência primordial do Surf, onde toda a rotina se desenvolve à volta do ceano, pelos ciclos das marés, e em comunhão e integração do Homem na Natureza. Com a industrialização chegada ao mundo do Surf, este começou a ser encarado como um produto, os melhores surfistas começaram a ser premiados pelas suas habilidades, tornando-se ídolos de massas. O surf reduziu-se ao desporto, acção e performance. Os surfistas profissionais alimentam a industria que os apoia e lhes dá visibilidade e credibilidade, enquanto que os seus nomes, são admirados como modelos de perfeição atlética, dando imagem a toda a comunicação global da marca, e inspirando consumidores. Os surfistas espectadores são então a criação da sociedade de consumo necessitada de modelos comportamentais, que só se viraram para o surf por uma questão de influências. São inconscientes e levianos, vestem as mesmas marcas, pedem autógrafos e fazem hashtags com referências ao surf, mas não reconhecem os seus valores. Querem pertencer à tribo mas ilibam-se de qualquer compromisso que o ser Surfista acarreta. Não existe preocupação ambiental, o consumo não é responsável, as surfshops, surfschools, surfpools, surfshits são construídas sem integração nem consciência, é apenas a industria e a alheação consumista a trabalhar este segmento de mercado. Este acréscimo de visibilidade do surf nos meios de comunicação teve naturalmente implicações directas na procura dos destinos de surf, e a industria turística nestes “paraísos de ondas” tem vindo a crescer exponencialmente, muito graças ao World Tour. Aqui os pacotes e ofertas de surf são variados, e os turistas que querem ser surfistas querem-no muito vezes por brincadeira, como parte da experiência de visitar um paraíso das ondas, e de terem a ilusão de serem surfistas por 1 dia, uma semana ou 1 mês. As aulas de surf nestes destinos tornam-se então pacotes de animação aquática, e os instrutores de surf incorporam a figura descomprometida do “hangloose bué cool yeah”, onde tudo o que interessa é pó-los de pé nem que seja num SUP, porque é aqui que está a satisfação de um turista que quer ser surfista. Não existe introdução à história do surf, nem à cultura, nem aos seus valores, nem às regras de conduta dentro de água. E ao evoluírem neste surf sem herança alguns destes turistas surfistas adoptam posturas muitas vezes desrespeitadoras, monopolizadoras e agressivas, e são cada vez mais a povoarem os picos um pouco por todo o lado… E sim, a culpa é nossa enquanto agentes turísticos. Esta semana ficámos a saber que o surf será um modalidade olímpica, e será disputada num cenário artificial. Se eu concordo e vou seguir? Não. Eu não procuro em outros surfistas modelos de perfeição, porque acredito que o surf deve ser sentido de forma individual e genuína e em comunhão com o todo natural. Mas sei que a pureza do surf já não pode ser resgatada nem o desenvolvimento invertido (mas isso já não é “coisa” de agora). A longo prazo poderá haver a separação das águas entre surfistas, mas sobretudo de cidadãos com formas diferentes de estar. Um Soul Surfer revela a humildade de estar em comunhão com um força maior que si, e aprende a tirar o melhor daquilo que o mar gratuitamente dispõe. Enquanto que o surfista espectador procura no objecto a sua diversão ou frustração, e a relação será sempre com o objecto. Por isso acredito que daqui para a frente serão reveladas as verdadeiras motivações de cada um, e haverá sem qualquer dúvida espectadores e apreciadores do surf em piscina. Quem sabe se surgirão então piscinas adequadas a todos os níveis e aptidões? E o controlo do ambiente até agora impossível em meio natural, esteja à distância de um comando, onde o homem “todo poderoso” adquire uma nova ilusão de domínio sobre a Natureza. (!) Hipótese. Piscinas para beginners, para intermédios, para avançados, para prós, para ondas moles, para ondas cavadas, para os marrequeiros, para os tube riders, para a direita, para a esquerda… para todos fora daqui que está um crowd lixado no mar… Era bem não?! hihihi. Nota: Estas palavras caricaturadas, baseiam-se unicamente na observação e reflexão pessoais, sem qualquer fundamentação nem estudo científico que as sustentem. Escrito por: José Miguel Nunes Saiu ontem, dia 1 de Agosto de 2016, a convocatória do selecionador nacional para o VISSLA ISA World Junior Surfing Championship (WJSC) que se irá realizar em S. Miguel, Açores, no próximo mês de Setembro. Foram doze os atletas escolhidos para representar as cores nacionais neste importante evento, em quatro categorias diferentes: SUB-18 e SUB-16 Masculino e SUB-18 e SUB-16 Feminino. Segundo veiculado na imprensa os critérios subjacentes à escolha da equipa são os resultados dos atletas nas diversas provas nacionais, assim como os dois estágios realizados. As escolhas do selecionador nacional para as categorias femininas recaíram então nas sétimas classificadas do “ranking” para SUB-18 e na quarta e quinta classificadas do “ranking” para SUB-16. É de referir ainda que as escolhidas em SUB-18 são a terceira e a nona classificadas no “ranking” de SUB-16, e que uma das selecionadas para SUB-16 é também quarta do “ranking” de SUB-18, enquanto a outra não está “rankeada”. Assim, a pergunta que se impõe é: PORQUE RAZÃO FICOU DE FORA DAS ESCOLHAS DO SELECIONADOR A CAMPEÃ NACIONAL EM TÍTULO NAS DUAS CATEGORIAS? Não posso deixar de achar estranho esta convocatória, senão vejamos:
Referir ainda que a CAMPEÃ NACIONAL EM TÍTULO de SUB-16 e SUB-18 foi vice-campeã da etapa portuguesa do RIP CURL GROMSERACH 2016, tendo a única das convocadas de SUB-16 a participar neste evento terminado na terceira posição. Posto isto parece-me que a resposta à pergunta feita em cima, só pode ser uma: a CAMPEÃ NACIONAL EM TÍTULO de SUB-16 e SUB-18 não foi convocada porque não corre o Circuito Regional da Grande Lisboa. É realmente injusto que este tipo de situações continuem a acontecer com os atletas de Peniche. Há bem pouco tempo foi com o bodyboard, como AQUI fizemos referência. Deixar apenas uma palavra para a CAMILA COSTA, sim, é este o nome da CAMPEÃ NACIONAL EM TÍTULO de SUB-16 e SUB-18, que continue a divertir-se quando vai fazer surf e que o faça com alegria, pois isso é o mais importante, o resto vem por acréscimo, e virá, pois é uma excelente surfista. Escrito por: José Miguel Nunes "The surfer’s dream: solitary, alone or with a few friends, simply focused on what the ocean provides, using nature’s energy to fly over the water until the ride is over, and then paddling out for another, and another. If this is surfing’s reality to you, then hold on to it like a precious pearl, because for the vast majority of surfers, the surfer’s dream has become something of a nightmare.” – Glenn Hening O sonho do turista de surf é muito específico e surpreendentemente coerente em todas as idades e nacionalidades, ou seja, os surfistas caracterizam-se pelo esforço e tempo que investem no surf e a sua predisposição e propensão para se deslocarem em busca da onda perfeita. Outra das características do turista de surf é a sua preferência por destinos com pouco "crowd", sendo que este será o fator mais limitativo para o desenvolvimento do turismo de surf, isto é, o excesso de "crowd" é um condicionante especialmente importante, pois evitá-lo é uma das principais motivações na escolha de um destino para uma viagem de surf. No contexto do turismo de surf, quando um novo destino é descoberto a indústria do surf mediatiza-o, criando um discurso de "Wonderland surfing”, que atrai turistas e cria lucros comerciais para os operadores turísticos, por outras palavras, “Return-on-investiment is the name of the game”, assim sintetiza numa frase Glen Hening este modelo ocidental, neo-liberal que assenta unicamente numa abordagem tradicional “top down”, em que o “down” são as comunidades locais e o “top” são os governantes, investidores e o negócio, sem qualquer preocupação sustentável do destino. A aplicação deste modelo de desenvolvimento para o turismo de surf, que apenas através da massificação possibilita a obtenção dos resultados pretendidos, provoca um sério risco de “overcrowding”, que por sua vez, põe em causa o produto vendido, contribuindo enormemente para a possível implosão do próprio destino. Seguindo a tendência ocidental, foi e continua a ser este o modelo seguido em Peniche, o que provocou um crescimento descontrolado, com investimentos e operadores dúbios tanto em termos de qualidade, como até em alguns casos de legalidade. A consequência mais visível é o inevitável excesso de “crowd”, com a imagem do destino a ser francamente afetada, sendo hoje Peniche conhecido internacionalmente como um destino “low cost” para o turismo de surf, nada coincidente com a qualidade das ondas que oferece. Afinal, Peniche acolhe uma das onze etapas do circuito mundial de surf. Internamente, o modelo adotado nunca levou em consideração as opiniões e aspirações da comunidade surfista local relativamente a este novo paradigma de desenvolvimento turístico, e muito menos considerou os impactos que este têm na dita comunidade, seguindo sempre um caminho de completa dependência e subjugação da componente “top” da abordagem. Não se julgue no entanto que este é o único modelo viável para desenvolver um destino turístico com base no surf. Talvez o seja para ciclos curtos de retorno imediato, mas não seguramente para ciclos longos de sustentabilidade e respeito, tanto pela cultura do surf, como de não desvirtuamento da própria atividade, onde se incluem obviamente a preservação da identidade local de alguns dos “spots” como dos próprios surfistas locais. É possível colocar a comunidade local num ponto central relativamente às decisões no uso dos seus recursos de surf. Andrew Abel provo-o com o seu modelo de espiral reversiva, em contraponto ao modelo tradicional “top down” e implementou-o com sucesso. Como o próprio afirma: “Sustainability would be the locals remaining happy because, really, if they decide they don’t want anybody surfing their reefs, then bang – it’s over! They have total say over how their resources are used, and that’s exactly as it should be.”
Sendo um modelo sustentável, obviamente que está muito direcionado para a zona onde foi implementado, no caso, Papua Nova Guiné. É claro que as características geográficas e culturais são bastante diferentes das nossas, no entanto o conceito de base deve e pode ser replicado a todas as comunidades onde o surf e o turismo de surf está implantado ou a implantar-se e, a nossa não é exceção:“… protect the rights of the people and ensure that tourism development does not make host communities bystanders and servants in their own land”. Quando Jess Ponting, um dos maiores estudiosos a nível mundial destas matérias, fala na necessidade de “controlar os turistas e não os locais para controlar o crowd”, é a este conceito a que se reporta, quando fala na “necessidade de um plano coordenado que reconheça limites de crescimento (quantitativo) para o turismo de surf”, é a este conceito a que se reporta, quando fala na “promoção e compreensão intercultural”, é a este conceito a que se reporta, quando fala na “necessidade de preservação de ‘secret spots’”, é a este conceito a que se reporta. E fê-lo há bem pouco tempo em Peniche. Mas voltando ao modelo de Andrew Abel, não podendo, nem devendo ser copiado, existem alguns pontos de interesse que podem e devem ser observados, de modo a que eventualmente sirvam de ponto de partida para um progressivo e urgente afastamento do modelo e da abordagem atual. Refiro-me por exemplo à importância dos clubes de surf no modelo, aos contributos dos operadores, por via dos clientes, para as comunidades (clubes de surf incluídos), ao controlo do “crowd”, à preservação de locais recatados de surf para a comunidade surfista local, bem como à defesa dos seus direitos hierárquicos em “spots” mais mediáticos. “Dependent on local capacity and infrastructure, regional resource custodians, surf clubs and the SAPNG (Surf Association of Papua New Guinea) all agree upon a quota system that effectively limits the number of surf tourists per day per zone to a mutually agreed upon number. (…) Importantly, locals can surf as much as they like.” Assim e tendo em vista um desenvolvimento sustentável do turismo de surf, de modo a salvaguardar as características endógenas das comunidades, Jess Ponting aponta-nos quatro pontos fulcrais a ter em atenção no modelo implementado ou a implementar: (1) Gestão sustentável; (2)Impacto socioeconómico; (3) Impacto cultural e (4) Impacto ambiental. A escolha do primeiro modelo em detrimento do segundo, por parte de quem lidera estes processos, está materializada na seguinte frase, como um chavão que tudo justifica: “Taking surfing to the next level”, mas como pergunta Glen Hening, “The next level of wat? And why? And who benefits? Se conseguirmos dar a resposta adequada e honesta a estas estas perguntas, então estaremos a elevar o modelo de desenvolvimento de exploração do turismo de surf efetivamente para o nível seguinte. Escrito por: Lisa Marques Muito se tem falado de turismo e de políticas de Mar, uma das principais apostas estratégicas do Plano Estratégico Nacional de Turismo, onde o surf se posicionou com destaque no produto “Turismo Náutico”. O Turismo de Portugal reconheceu-o e deu-lhe o devido destaque na Agenda, fazendo-se valer de ídolos das massas para apelar ao turismo em Portugal, como foi o caso da campanha com o embaixador “Gmac”, numa série de vídeos que documentavam a procura por ondas, de norte a sul do país, do surfista americano que recebeu 60 mil euros para vender o nosso peixe lá fora.
O surf tem se vindo a assumir como uma actividade económica rentável, e um forte contributo para o desenvolvimento das regiões costeiras, através da riqueza gerada e das oportunidades criadas nos locais receptores. O mercado cresce a cada ano, assim como o número de praticantes de surf. As estatísticas avançam que em média um surfista desloca-se mais vezes durante o ano para fora do seu local de residência para praticar surf, e que o surf é o desporto que os europeus mais gostavam de experimentar. No entanto, Surf é ainda sinónimo de actividades em meio natural, que se pressupõem sustentáveis e ecológicas, mas quando falamos de turismo de surf infelizmente a realidade é diferente. Na passada semana saíram noticias de novos investimentos no turismo de surf em Peniche, em que um deles tem intenções de avançar na direcção Norte, rumo a locais que eram considerados secret até há uns anos atrás, e frequentados principalmente por surfistas que preferem a beleza natural às paisagens construídas, e que vivem autenticamente o “live for search”, um dos slogans de uma grande marca de surfwear. Essa é de facto a essência do surfista. A busca por ondas perfeitas desconhecidas, e sem crowd, um encontro genuíno de comunhão com o meio natural. Mas para além de slogans, terão as grandes companhias que vendem surf algum compromisso em manter os destinos de surf sustentáveis? Ou simplesmente erguem infra-estruturas e criam produtos dirigidas à tribo do surf, sobre a camuflagem do “live the dream” e do “surf lifestyle”, sacudindo as responsabilidades e impactos ambientais que a sua atividade produz? O mercado continua em crescimento e os investidores avançam com o capital. Mas quantas mais unidades de alojamento interessam criar? Mesmo com prefixos “Eco” ou sufixos “Sustentável"? Interessa-nos transformar locais virgens em betão, e encarar a irreversibilidade posterior? É isso que a demanda exige? Qual é a nossa capacidade de carga? Existem Limites para o crescimento? E quando percebemos que já lá chegámos? E principalmente, estamos conscientes que precisamos de parar? Estamos dispostos a isso? “O surf! O paraíso dos surfistas! A Pipeline europeia! Marrocos na europa! Mavericks na Papoa! Venham, venham” De facto comparações e identificações não faltam. Enquanto surfista, considero-as verdadeiramente meritórias e honestas. Surfistas ou não, mas cientes destas vantagens e riquezas naturais, a marca “capital da onda” foi criada como imagem identitária da cidade de Peniche. Uma oportunidade para inovar o Turismo de Mar praticado na cidade. Com a visibilidade do WCT na cidade e a exposição mediática, a tribo do surf mobilizou-se massivamente, e vai crescendo com as “modas”. Alguns turistas, passaram a residentes, instalando-se para o ano, numa moradia de quatro ou cinco assoalhadas, chamaram os amigos nessa época, os que no ano seguinte têm a mesma “visão” e decidem fazer o mesmo. Os surfcamps abrem porta sim, porta não, sem estratégia, sem planeamento integrado, sem rigor nem controlo. Aulas de surf podem ser solicitadas, porque tudo se arranja na terra de ninguém. Caravanistas, venham eles, porque Peniche é o verdadeiro paraíso. Os parques existem, mas ninguém lhes exige que os usem. A facilidade à agua da rede é um verdadeiro convite. A beleza e estrutura das nossas paisagens naturais é comprometida com caravanas e carrinhas aparcadas nas arribas e parques de estacionamento desde os Belgas até à Consolação. (Para mim, tanta gente só nos traz problemas de “trânsito”, ao invés de benefícios.) O rigor das Aulas de Surf interessa cada vez menos, e são cada vez mais uma oferta complementar ao Camp, ao Bar, ao restaurante, à loja, todos vendem o Aloha do Surf. Qualquer instrutor de surf sabe que não passa de um entreteiner, que é pago para vender a ilusão de um lifestyle, e que o que importa é “pô-los de pé”, nem que seja numa prancha SUP. E assistimos a instrutores de surf a empurrar alunos uns atrás dos outros, nas ondas uns dos outros. Os instrutores adoptam muitas vezes uma atitude servil, compactuando, apesar de não concordarem com a política. Estão conscientes que serão os primeiros a levar com o excesso de crowd nas suas sessões de free surf. Os cursos da Federação nem sequer são exigidos em muitos dos casos, não existe fiscalização por parte da FPS, nem monitorização por parte dos empregadores, que desde que vejam os seus clientes satisfeitos, não querem saber de mais. Até porque estão a tentar perceber onde irão buscar o valor que irão retirar das aulas de surf, para que fiquem 5€ mais baratas que as dos concorrentes.… O turista que escolhe um surfcamp, é na sua maioria, iniciado no surf, e procura aulas e acompanhamento técnico, para que possa sentir-se mais seguro e evoluir mais rapidamente no desporto. “Nós” enquanto monitores - os agentes, ao vendermos a experiência, temos que garantir o momento em que o turista faz o stand up e desliza sobre uma onda. Temos que faze-lo acontecer, custe o que custar, com vista à valorização da experiência, porque esse é o momento intangível que determina o grau de satisfação de um turista que quer ser surfista. No entanto, a sobrexploração do território com um turismo de surf massivo, poderá implicar ameaças não só à capacidade de regeneração do próprio meio ambiente, como colocar em risco a satisfação do visitante, com a nossa incapacidade de garantir uma oferta de qualidade que corresponda às expectativas do turista. E essa incapacidade deve-se, maioritariamente, a constrangimentos externos ao próprio negócio, independente do compromisso agente - cliente. O crowd, por exemplo. Um pico cheio de crowd não é de todo uma oferta apelativa, seja para o surfista experiente como para o surfista beginner, comprador de uma experiência de surf, que vê a sua segurança posta em risco. Com o aumento do numero de surfcamps e surfschools, o crowd dentro de água tem estado tramado. E pior que tramado é estarem 100 alunos, surfistas inexperientes, com um tipo de “embarcação recreativa” a seu cargo, sem terem “carta para a conduzir”. E o turista surfista vê a sua diversão ser substituída por apreensão, medo, e quiçá um sobrolho aberto. Mas então como regulamentar e restringir espaços por escalões, ou níveis de aprendizagem, sem que seja necessária uma carta de condução, ou um imposto de circulação? Porque quando se tomam medidas de restrição de utilização, ou pagamento de taxas de utilização, as consequências são graves principalmente para a comunidade anfitriã, que não vejo aceitarem-nas de animo leve. Quando os locais começarem a defender e a reclamar o que é seu, as consequências poderão ser muitíssimo graves. Ainda hoje ouvi um amigo queixar-se de quão impossível estava o crowd no pico, e que não estava para isso. Portanto vamos mudar antes que tenhamos que mudar. A crescente procura do surf não pode ser resolvida com a construção de mais um “campo da bola”, porque estamos dependentes de um recurso natural. E portanto, o surf, como actividade em meio natural, capaz de comprometer os recursos, devia ser respeitada e gerida. Queremos realmente transformar Peniche em um “ALLgarve" do surf? Queremos mesmo que Peniche seja para todos, fazendo apelos desmedidos à vinda? Que tipo de turista estamos realmente a trazer? Queremos ter picos e estacionamentos cheios e unidades de alojamento vazios? Acho que merecemos mais do que isso. Acho que devíamos abrandar e repensar. O que quer na verdade um surfista? Quais são os motivos que os levam a escolher o destino Peniche em detrimento de outros locais similares na Europa, como a costa norte de França, que muitas vezes ouvi citada como modelo a seguir? Enquanto surfista aposto as minhas fixas para a qualidade das ondas, a longa extensão de linha costeira, a possibilidade de descoberta de alguns “secrets”, a beleza natural, a consistência, a segurança do País, cada vez mais importante, a facilidade para pernoitar, o clima, o custo de vida acessível… O que temos é demasiado bom, mas estamos a vender um produto Premium a preço de saldo como se interessasse despachar. Mas não! Temos história de surf desde 1964, cultura autêntica de surf, estórias mil para serem contadas e exploradas. Uma envolvente cultural de fazer inveja a qualquer gestor territorial. A ilha da Berlenga consagrada pela UNESCO pela sua biodiversidade, inúmeros naufrágios ao largo da península que fazem as delicias dos historiadores, arqueólogos e mergulhadores, uma comunidade académica com investigações técnicas nas áreas do turismo, bio-tecnologia e surf, reservas geológicas, inúmeras praias de Sol e Mar, Ondas de qualidade mundial, pesca e gastronomia…. Pela proximidade, Peniche tornou-se uma meca obrigatória para qualquer surfista Europeu, e ao contrario do que o senso comum acha, a maioria dos surfistas tem um grau académico elevado, e estão interessados em oferta cultural para enriquecer a sua experiência turística, assim como um compromisso ambiental anexado à sua estadia. Estes, ou os seus acompanhantes estariam interessados em despender dinheiro extra para ter outras actividades que lhes dessem a conhecer mais intimamente o destino Peniche. Um surfista mais experiente, pelo contacto com o meio natural para seu próprio proveito e diversão é também mais consciente. Considero que fazendo do desenvolvimento sustentável uma norma, podemos convidar os turistas e surfistas a estarem envolvidos, actuando na consciencialização do indivíduo, e consequentemente actuando sobre os seus valores de consumo posteriores. Quando comecei a surfar, há mais de uma década atrás, fi-lo por vontade e ambição próprias. Renunciei a algumas coisas em prol de outras, foi uma escolha consciente. Era um processo moroso, mais delicado, de auto-superação. Aprendi a ouvir os locais, aprendi o respeito e as prioridades dentro de água, ainda antes de me por em pé. Estava a escolher um estilo de vida e não uma experiência, com todos os compromissos que isso acarreta. Mas aquilo que a que assisto hoje em dia, é que os valores intrínsecos ao surf, ao verdadeiro surf, foram esquecidos em prol de uma industrialização, de um mercado em ascensão, e para proveito de uns quantos. Valores de Respeito pelos outros e pelo Ambiente, Partilha, Harmonia com a natureza, Liberdade, Preservação ambiental, maior consciência cívica, sentido de responsabilidade e solidariedade. Há muito que a industrialização do surf lhe retirou a alma. E essa falta de valores faz-se sentir na forma como o surf transformado em produto é vendido pelos agentes turísticos. A meu ver, a valorização do Surf e dos seus valores intrínsecos, poderia ser um principio para a mudança de paradigma no turismo de surf. Os valores do surf poderão ser um instrumento poderoso para uma mudança de consciência, tanto para os responsáveis por negócios ligados ao surf, como para o consumidor, que muitas vezes compra um produto em vez de outro por desconhecimento, impulso, inconsciência, etc. O surf pode tornar-se uma forma de educação para uma maior consciência ambiental, ao mesmo tempo que promove um retrocesso às origens, ao essencial, podendo agir sobre os comportamentos de compra do turista de surf, que percebe que as suas acções estão directamente implicadas na sustentabilidade não só de um território, como na sociedade de consumo em que se insere, contribuindo activamente para a destruição do planeta. Mais uma vez, considero que devíamos parar para ponderar. Se estamos a ensinar surf, então que formemos surfistas. E um verdadeiro surfista é um ser integro e consciente. Vamos valorizar o nosso território e a nossa identidade como um bem precioso, e depois o surf como ferramenta ideal para o manter intacto. E não como desculpa para uma colonização e consequente destruição de toda a nossa riqueza natural e cultural, e toda a nossa vantagem competitiva e autenticidade, em prol de uma homogeneidade de um destino de surf. Obviamente que nada acontece de um dia para o outro, mas a articulação e principalmente o compromisso entre autarquia, responsáveis por negócios em Peniche, comunidade académica local e comunidade surfista, seria necessária, de forma a traçar estratégias de desenvolvimento sustentáveis assentes nas características do nosso território. E em vez que estarmos a olhar uns para os outros como se fossemos forças contrárias, devemos olhar-nos como uma oportunidade para o desenvolvimento conjunto. Na verdade precisamos uns dos outros, e não se trata de redobrar esforços, mas sim de redirecciona-los todos para o mesmo objectivo, a favor da sustentabilidade. Aquilo que temos já é demasiado bom e deve ser mantido e preservado. A forma mais eficaz de gerir uma mudança é criando-a, portanto é necessário inovar a vários níveis e quem sabe tornarmo-nos um modelo a seguir. Escrito por: José Miguel Nunes Foi divulgado na passada sexta-feira, dia 20 de Novembro de 2015, o calendário provisório de provas da World Surfing League (WSL) para 2016. Está confirmada pela oitava vez consecutiva, a passagem de uma etapa do principal circuito mundial de surf por PENICHE. Entre 18 e 29 de Outubro de 2016, os melhores surfistas do mundo estarão de volta às ondas dos SUPERTUBOS para a décima e penúltima etapa do circuito mundial, denominada mais uma vez de MOCHE RIP CURL PRO PORTUGAL. Dito isto, e endereçando os parabéns a quem de direito pelo facto, há no entanto um assunto a que teremos inevitavelmente de voltar, e refiro-me à questão do “naming” do evento, para dizer uma coisa muito simples: o “naming” deste evento não deveria ser nunca MOCHE RIP CURL PRO PORTUGAL, mas sim MOCHE RIP CURL PRO PENICHE. Esta, para além de ser uma questão de respeito por Peniche enquanto terra, é-o também relativamente ao surf penicheiro. O “marketing” associado ao nome de PENICHE sai obviamente bastante prejudicado com a recorrência desta situação. E já que falamos em respeito, só mais uma coisinha quanto a este assunto, para dizer que o local da prova continua a ser identificado no calendário da WSL como PENICHE/CASCAIS – PORTUGAL. Isto é inacreditável continuar a acontecer, e por mais explicações que possam tentar dar para tal, estas soam-me sempre a desculpas esfarrapadas para justificar a afronta propositada ao bom nome do surf penicheiro. Mas para que se perceba melhor a situação, dou-vos um exemplo: CASCAIS BILLABONG PRO. Notam a diferença? Pois é, aqui o nome não falta, mas há mais, no local do evento está: PRAIA DE CARCAVELOS, CASCAIS – PORTUGAL. Então num lado aparece o nome da terra no “naming”, mas no outro isso já não acontece. Num lado aparece o nome da praia no local do evento, no outro isso já não acontece.
Será isto normal? O que estará por detrás disto? Porque é que no local do evento não aparece PRAIA DOS SUPERTUBOS, PENICHE – PORTUGAL, como efetivamente deveria? É lamentável que estas situações se mantenham, e que até podem parecer de menor importância, mas não são. Peniche, o surf penicheiro e os surfistas de Peniche têm vindo a ser mal tratados em toda a linha por estes senhores que dominam o surf em Portugal e ninguém com responsabilidades é capaz de dizer com veemência que não aceita isso, é uma pena… Escrito por: José Miguel Nunes Terminou mais uma etapa do circuito mundial de surf em Peniche, a sétima consecutiva, e esta ficará para sempre nos anais do surf português. Não é todos os dias que primeiro e segundo classificados do “ranking” mundial são eliminados por atletas nacionais e, não é todos os dias que dois atletas lusos atingem os quartos e as meias-finais de um evento do “World Tour”. Fez-se história neste evento. Fez-se mais uma vez história em Peniche. Houve ondas para todos os gostos, desde más e medíocres a boas e muito boas. É verdade que houve atletas a serem eliminados em condições muito complicadas, mas também é verdade que aconteceram dos “heats” mais competitivos do circuito, com “scores” altíssimos e até o mais elevado até ao momento de todo o circuito. Houve tubos nota dez, ou não estivéssemos em Supertubos, a que se juntaram ainda aéreos do outro mundo. Vimos aspirantes ao título despedirem-se dessa condição, vimos os líderes do circuito caírem prematuramente às mãos improváveis dos “wildcards” nacionais e vimos a disputa do título ganhar contornos dificilmente imagináveis há uns tempos a esta parte. Resumindo, foi uma prova justa, chegaram à final os dois surfistas que melhor surf apresentaram ao longo da competição, e quando assim é pouco há a dizer. Não foi uma etapa fácil de gerir por parte da organização, as previsões foram sempre muito inconstantes e haviam decisões que tinham de ser tomadas. Mas, é para tomar decisões difíceis que são escolhidos os melhores e com remunerações a condizer. Claro que é sempre mais fácil “à posteriori” vir dizer que as decisões não deveriam ter sido neste ou naquele sentido, isso já todos nós sabemos, os ‘prognósticos’ depois dos jogos são sempre mais fáceis. No entanto, há decisões e decisões, e se os atletas têm preferência, como já afirmaram várias vezes, por competir nos Supertubos, independentemente das condições não serem as ideais, é perfeitamente compreensível que a organização siga essa linha, agora, já não é de todo compreensível que os coloquem a competir no Molhe Leste nas condições em que o fizeram, em detrimento de um dos vários picos a norte com ondas muito melhores. Nem a desculpa esfarrapada de essas ondas a norte não rolarem mais de duas horas serve, pois no Molhe Leste, mais coisa, menos coisa, foi o tempo que a competição durou. Estas decisões não devem ser tomadas do outro lado do atlântico com telefonemas de última hora, pois colocam não só os atletas em situações complicadas, como colocam o prestígio de uma zona com excelentes ondas em causa. Como alguém com responsabilidades neste evento se fartou de repetir nas entrevistas que deu à comunicação social, o objetivo é sempre colocar os melhores surfistas a competir nas melhores ondas, ora, o que aconteceu na passada terça-feira, dia 27 de Outubro, não foi isso, principalmente depois de uma paragem da competição nos Supertubos no fim-de-semana em que durante toda a tarde as ondas estiveram com boa qualidade e onde os melhores do mundo mostraram numa sessão de “freesurf” tudo aquilo que fazem como ninguém. Convinha provavelmente passar da teoria à prática, é que já não é a primeira vez que acontece em Peniche. É incompreensível que a organização e os decisores não se aconselhem junto de quem sabe, como por exemplo o clube local, para os auxiliarem na tomada das suas decisões. Há muito “knowhow” e experiência acumulada de vários anos que tem sido utilizada por dois ou três atletas deste grupo dos melhores do mundo e que também poderia ser utilizada pela organização para variadas situações. A título de exemplo, o palanque todos os anos está montado cerca de cinquenta metros antes do local onde deveria estar, entre outros “pormenores” (não sou eu que o digo, mas pessoas com responsabilidades técnicas no evento e que nem sequer são portugueses). Falemos agora de outro assunto que levantou alguma celeuma antes do evento, e que há aqui pelo burgo quem não goste que se fale dele. Refiro-me à atribuição dos “wildcards”. Se até aqui a organização barrava a entrada de um surfista local como “wildcard” nesta prova assente na justificação que não existia ninguém com qualidade suficiente para tal, apesar das escolhas feitas na altura não refletiam essa justificação (recordo o ano de 2009), hoje em dia até essa justificação já não é de todo plausível. Existem exemplos de eventos por todo o mundo onde os atletas locais tem essa possibilidade, seja através de eventos “trial”, o que até isso esta organização nos tirou, seja de atribuição direta. Para não irmos muito longe dou-vos o exemplo do SATA Azores Pro, um QS 10,000, isto é, evento imediatamente abaixo em termos de importância a este, em que um jovem local, e muito bem, teve esse privilégio, então a pergunta é: Porque não em Peniche? O Peniche Surfing Clube conta nas suas fileiras com um surfista com um percurso impressionante na sua jovem carreira, falo de Guilherme Fonseca. Este atleta é o atual bi-campeão nacional de surf esperanças na categoria de Sub-18 (para além de o ter sido em todas as outras categorias), é o atual vice-campeão nacional projunior e o segundo melhor português no “ranking” europeu projunior de 2015, a que junta ainda o facto de ser um atleta com constante presença na seleção nacional. Esta discriminação relativamente aos surfistas de Peniche é por demais evidente, e não falando da feira de vaidades em que se transformou a estrutura de praia, com fartura de surfistas das zonas mais a sul e de pessoas que nada têm a ver com este desporto, que só lá estão para o “show-off”, onde os de Peniche nem entram, este é apenas o mais recente exemplo. Independentemente de reconhecer o enorme esforço que é feito para tornar possível a realização deste evento no nosso concelho, é revoltante a falta de coragem na defesa enérgica por parte da classe politica local, que nos deveria defender, e estando diretamente envolvida nesta organização, não o faça relativamente ao facto de os surfistas de Peniche terem legitimidade e aspirações a serem tratados de maneira diferente do que presentemente acontece, e isto é algo que considero inaceitável para não lhe chamar vergonhoso. O modo como reagiram aos desabafos pré-evento sobre esta questão é por si só demostrativo da preocupante dependência que têm relativamente aos senhores que dominam o surf em Portugal, anuindo nestes jogos de interesses que desde sempre têm prejudicado e continuam a prejudicar o surf e os surfistas de Peniche. Tirando isto, gostei bastante de ver os melhores do mundo a mostrarem como se faz surf. Que venha o próximo que este já passou… Escrito por: José Miguel Nunes “In all, a primary issue of commercializing and advertising surfing is not only the lack of authenticity and dilution of meanings, but is also where the surplus-value generated goes.” – Jérémy Lemarié Há uns dias li um pequeno artigo que me deixou a pensar sobre o caminho que o surf está a levar e no que se está a transformar. O autor deambulava sobre a dificuldade que qualquer surfista sente em explicar a um não surfista o que é isto do surf. De modo simplista podemos dizer que surf é o desporto que consiste em deslizar numa onda em equilíbrio sobre uma prancha até terra. Não está errado, e possivelmente hoje em dia a grande maioria das pessoas que vimos dentro de água agarradas a pranchas de surf é isto que sentem relativamente ao que é o surf, apenas um desporto que consiste em deslizar numa onda até terra, nada mais. Então, a pergunta é: Mas porque é que a maioria das pessoas que andam hoje em dia agarrados a uma prancha de surf acham que surf é apenas um desporto que consiste em deslizar numa onda em equilíbrio sobre uma prancha até terra? Resposta: Porque foi assim que lhe venderam o surf. Foi assim que a comunicação social lhe vendeu o surf, foi assim que a escola de surf lhe vendeu o surf, foi assim que o surfcamp lhe vendeu o surf, foi assim que a surfshop lhe vendeu o surf, foi assim que o político da berra lhe vendeu o surf. Esta visão simplista do surf direcionada para a massificação e consumismo será porventura um dos maiores problemas com que o surf se debate nos dias que correm, a perda do seu hedonismo assente nas raízes ancestrais daquilo que os havaianos chamavam de hopüpü e nós, ocidentais, mais tarde designámos de stoked. A dificuldade que um surfista tem em explicar a um não surfista o que é o surf, deriva essencialmente da dificuldade em explicar o que é isto de se sentir em estado de hopüpü. Se pretendermos transformar o surf apenas num desporto físico, de performance, tendo como único objetivo a sua popularização na perspetiva económica, seja desportiva ou mesmo turística, excluindo a componente espiritual, social e de comunhão com a natureza, que o diferencia de todos os outros desportos, estamos a criar qualquer coisa que pode ser chamada de tudo menos de surf. David Collins, o autor do artigo a que me referi no início deste texto, de uma forma muito simples sintetiza o que o surf deve representar para quem o pratica de alma e coração, e que transcrevo: "In a word: peace. Nothing more, nothing less.” Agora a questão é bem mais complicada, e para uma pergunta de um milhão de dólares: Será PAZ a palavra mais indicada para definir o que se sente e passa nos line-up’s hoje em dia? Resposta: NÃO O desenvolvimento sustentável da atividade, para um turismo de surf sustentável deve ser o caminho. A capacidade de carga dos destinos de surf deve passar a ser medida não apenas em termos físicos e económicos, mas também, e sobretudo, em termos sociais e ambientais, engajados nos elementos simbólicos do surf imbuídos de espiritualidade, comunhão e prazer. Se assim for, provavelmente conseguiremos inverter este modelo massificador, americanizado quanto baste que levará à destruição o surf na sua essência mais bela. |
Arquivo
Novembro 2016
|