Escrito por: José Miguel Nunes "The surfer’s dream: solitary, alone or with a few friends, simply focused on what the ocean provides, using nature’s energy to fly over the water until the ride is over, and then paddling out for another, and another. If this is surfing’s reality to you, then hold on to it like a precious pearl, because for the vast majority of surfers, the surfer’s dream has become something of a nightmare.” – Glenn Hening O sonho do turista de surf é muito específico e surpreendentemente coerente em todas as idades e nacionalidades, ou seja, os surfistas caracterizam-se pelo esforço e tempo que investem no surf e a sua predisposição e propensão para se deslocarem em busca da onda perfeita. Outra das características do turista de surf é a sua preferência por destinos com pouco "crowd", sendo que este será o fator mais limitativo para o desenvolvimento do turismo de surf, isto é, o excesso de "crowd" é um condicionante especialmente importante, pois evitá-lo é uma das principais motivações na escolha de um destino para uma viagem de surf. No contexto do turismo de surf, quando um novo destino é descoberto a indústria do surf mediatiza-o, criando um discurso de "Wonderland surfing”, que atrai turistas e cria lucros comerciais para os operadores turísticos, por outras palavras, “Return-on-investiment is the name of the game”, assim sintetiza numa frase Glen Hening este modelo ocidental, neo-liberal que assenta unicamente numa abordagem tradicional “top down”, em que o “down” são as comunidades locais e o “top” são os governantes, investidores e o negócio, sem qualquer preocupação sustentável do destino. A aplicação deste modelo de desenvolvimento para o turismo de surf, que apenas através da massificação possibilita a obtenção dos resultados pretendidos, provoca um sério risco de “overcrowding”, que por sua vez, põe em causa o produto vendido, contribuindo enormemente para a possível implosão do próprio destino. Seguindo a tendência ocidental, foi e continua a ser este o modelo seguido em Peniche, o que provocou um crescimento descontrolado, com investimentos e operadores dúbios tanto em termos de qualidade, como até em alguns casos de legalidade. A consequência mais visível é o inevitável excesso de “crowd”, com a imagem do destino a ser francamente afetada, sendo hoje Peniche conhecido internacionalmente como um destino “low cost” para o turismo de surf, nada coincidente com a qualidade das ondas que oferece. Afinal, Peniche acolhe uma das onze etapas do circuito mundial de surf. Internamente, o modelo adotado nunca levou em consideração as opiniões e aspirações da comunidade surfista local relativamente a este novo paradigma de desenvolvimento turístico, e muito menos considerou os impactos que este têm na dita comunidade, seguindo sempre um caminho de completa dependência e subjugação da componente “top” da abordagem. Não se julgue no entanto que este é o único modelo viável para desenvolver um destino turístico com base no surf. Talvez o seja para ciclos curtos de retorno imediato, mas não seguramente para ciclos longos de sustentabilidade e respeito, tanto pela cultura do surf, como de não desvirtuamento da própria atividade, onde se incluem obviamente a preservação da identidade local de alguns dos “spots” como dos próprios surfistas locais. É possível colocar a comunidade local num ponto central relativamente às decisões no uso dos seus recursos de surf. Andrew Abel provo-o com o seu modelo de espiral reversiva, em contraponto ao modelo tradicional “top down” e implementou-o com sucesso. Como o próprio afirma: “Sustainability would be the locals remaining happy because, really, if they decide they don’t want anybody surfing their reefs, then bang – it’s over! They have total say over how their resources are used, and that’s exactly as it should be.”
Sendo um modelo sustentável, obviamente que está muito direcionado para a zona onde foi implementado, no caso, Papua Nova Guiné. É claro que as características geográficas e culturais são bastante diferentes das nossas, no entanto o conceito de base deve e pode ser replicado a todas as comunidades onde o surf e o turismo de surf está implantado ou a implantar-se e, a nossa não é exceção:“… protect the rights of the people and ensure that tourism development does not make host communities bystanders and servants in their own land”. Quando Jess Ponting, um dos maiores estudiosos a nível mundial destas matérias, fala na necessidade de “controlar os turistas e não os locais para controlar o crowd”, é a este conceito a que se reporta, quando fala na “necessidade de um plano coordenado que reconheça limites de crescimento (quantitativo) para o turismo de surf”, é a este conceito a que se reporta, quando fala na “promoção e compreensão intercultural”, é a este conceito a que se reporta, quando fala na “necessidade de preservação de ‘secret spots’”, é a este conceito a que se reporta. E fê-lo há bem pouco tempo em Peniche. Mas voltando ao modelo de Andrew Abel, não podendo, nem devendo ser copiado, existem alguns pontos de interesse que podem e devem ser observados, de modo a que eventualmente sirvam de ponto de partida para um progressivo e urgente afastamento do modelo e da abordagem atual. Refiro-me por exemplo à importância dos clubes de surf no modelo, aos contributos dos operadores, por via dos clientes, para as comunidades (clubes de surf incluídos), ao controlo do “crowd”, à preservação de locais recatados de surf para a comunidade surfista local, bem como à defesa dos seus direitos hierárquicos em “spots” mais mediáticos. “Dependent on local capacity and infrastructure, regional resource custodians, surf clubs and the SAPNG (Surf Association of Papua New Guinea) all agree upon a quota system that effectively limits the number of surf tourists per day per zone to a mutually agreed upon number. (…) Importantly, locals can surf as much as they like.” Assim e tendo em vista um desenvolvimento sustentável do turismo de surf, de modo a salvaguardar as características endógenas das comunidades, Jess Ponting aponta-nos quatro pontos fulcrais a ter em atenção no modelo implementado ou a implementar: (1) Gestão sustentável; (2)Impacto socioeconómico; (3) Impacto cultural e (4) Impacto ambiental. A escolha do primeiro modelo em detrimento do segundo, por parte de quem lidera estes processos, está materializada na seguinte frase, como um chavão que tudo justifica: “Taking surfing to the next level”, mas como pergunta Glen Hening, “The next level of wat? And why? And who benefits? Se conseguirmos dar a resposta adequada e honesta a estas estas perguntas, então estaremos a elevar o modelo de desenvolvimento de exploração do turismo de surf efetivamente para o nível seguinte.
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