Escrito por: José Miguel Nunes “In all, a primary issue of commercializing and advertising surfing is not only the lack of authenticity and dilution of meanings, but is also where the surplus-value generated goes.” – Jérémy Lemarié Há uns dias li um pequeno artigo que me deixou a pensar sobre o caminho que o surf está a levar e no que se está a transformar. O autor deambulava sobre a dificuldade que qualquer surfista sente em explicar a um não surfista o que é isto do surf. De modo simplista podemos dizer que surf é o desporto que consiste em deslizar numa onda em equilíbrio sobre uma prancha até terra. Não está errado, e possivelmente hoje em dia a grande maioria das pessoas que vimos dentro de água agarradas a pranchas de surf é isto que sentem relativamente ao que é o surf, apenas um desporto que consiste em deslizar numa onda até terra, nada mais. Então, a pergunta é: Mas porque é que a maioria das pessoas que andam hoje em dia agarrados a uma prancha de surf acham que surf é apenas um desporto que consiste em deslizar numa onda em equilíbrio sobre uma prancha até terra? Resposta: Porque foi assim que lhe venderam o surf. Foi assim que a comunicação social lhe vendeu o surf, foi assim que a escola de surf lhe vendeu o surf, foi assim que o surfcamp lhe vendeu o surf, foi assim que a surfshop lhe vendeu o surf, foi assim que o político da berra lhe vendeu o surf. Esta visão simplista do surf direcionada para a massificação e consumismo será porventura um dos maiores problemas com que o surf se debate nos dias que correm, a perda do seu hedonismo assente nas raízes ancestrais daquilo que os havaianos chamavam de hopüpü e nós, ocidentais, mais tarde designámos de stoked. A dificuldade que um surfista tem em explicar a um não surfista o que é o surf, deriva essencialmente da dificuldade em explicar o que é isto de se sentir em estado de hopüpü. Se pretendermos transformar o surf apenas num desporto físico, de performance, tendo como único objetivo a sua popularização na perspetiva económica, seja desportiva ou mesmo turística, excluindo a componente espiritual, social e de comunhão com a natureza, que o diferencia de todos os outros desportos, estamos a criar qualquer coisa que pode ser chamada de tudo menos de surf. David Collins, o autor do artigo a que me referi no início deste texto, de uma forma muito simples sintetiza o que o surf deve representar para quem o pratica de alma e coração, e que transcrevo: "In a word: peace. Nothing more, nothing less.” Agora a questão é bem mais complicada, e para uma pergunta de um milhão de dólares: Será PAZ a palavra mais indicada para definir o que se sente e passa nos line-up’s hoje em dia? Resposta: NÃO O desenvolvimento sustentável da atividade, para um turismo de surf sustentável deve ser o caminho. A capacidade de carga dos destinos de surf deve passar a ser medida não apenas em termos físicos e económicos, mas também, e sobretudo, em termos sociais e ambientais, engajados nos elementos simbólicos do surf imbuídos de espiritualidade, comunhão e prazer. Se assim for, provavelmente conseguiremos inverter este modelo massificador, americanizado quanto baste que levará à destruição o surf na sua essência mais bela.
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Escrito por: José Miguel Nunes Estamos a pouco mais de uma semana de se iniciar a etapa do World Tour em Peniche, a sétima consecutiva cá na terrinha, e por isso mesmo chegou a hora de falarmos um pouco sobre isso. Antes de mais esclarecer alguns pontos importantes: (1) Se sou a favor da realização deste evento? SIM; (2) Se concordo com o modelo implementado para o evento? NÃO; (3) Se acho que este evento tem impactos ambientais? SIM; (4) Se acho que os impactos ambientais podem ser minimizados? SIM; (5) Se acho este evento importante para a economia da região? SIM; (6) Se acho que este evento tráz um retorno de 8 milhões para a economia local? NÃO; (7) Se acho este evento importante em termos turísticos para a região? SIM; (8) Se acho que os seus promotores têm uma preocupação de integração da comunidade local no evento? NÃO (9) Se gostaria de ver este evento por cá mais alguns anos? SIM Posto isto, e do que me foi dado a observar até ao momento, acho que existe realmente uma preocupação efetiva em termos ambientais na montagem da estrutura, na linha aliás do que já aconteceu no ano passado, e isso é de louvar. Não quer isto dizer que tudo tenha corrido na perfeição ou que não haja margem para melhorias, porque há, há sempre maneira de melhorar. Assim, e sobre a estrutura propriamente dita, continuo a achar que a que se encontra na praia (em frente ao pico) continua demasiado pesada, sendo exageradamente grande (aumentou inclusivamente em termos de metros quadrados relativamente à do ano transato), não havendo do meu ponto de vista qualquer justificação para isso. Na minha opinião a estrutura de praia deveria ser o mais pequena possível, apenas com o essencial para que os atletas e o “staff” pudessem estar e trabalhar confortavelmente, tudo o resto é dispensável, podendo e devendo ser transferido para a estrutura junto do estacionamento, esta, que ao invés da outra, tem vindo a diminuir de dimensão. Julgo ainda que a base da estrutura de praia poderia estar mais uns centímetros sobrelevada, o que ajudaria a diminuir a pressão e o impacto daí resultantes na duna. Quanto à comunidade local, esta continua a ser muito mal tratada pelos promotores deste evento. Os entraves à integração de locais (e não falo apenas da comunidade surfista) na estrutura de recursos humanos do evento são constantes. Ano após ano, estes provém lá dos lados da capital, com o “lobby” que manda no surf em Portugal até nisto a impor as suas pressões. É pena, pois seria uma excelente oportunidade de alavancar a mais-valia de um evento como este junto da comunidade, ter pessoas da terra a trabalhar, contribuindo para o seu crescimento qualitativo, com orgulho de o terem feito, sentindo-se integradas nas coisas importantes que acontecem na sua terra. É pena que daqui a vinte anos, muitos dos agora jovens não possam dizer, eu trabalhei naquele evento, eu ajudei… Não havendo regra sem exceção, ainda assim alguns, poucos, muito poucos, conseguem furar esta barreira, e quando isto acontece o tratamento que recebem é arrogante e indiferente quanto baste para se sentirem deslocados na sua própria terra. Já os de cem quilómetros de distância estão como peixinho na água. É estranho… Venham de lá essas ondas e que seja mais um ano de excelente espetáculo, é isso que desejamos. |
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Novembro 2016
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