Escrito por: José Miguel Nunes “The harsh reality is that locals are threatened by outsiders continually cutting into their already limited wave supply.” – Nat Young O crowding assume-se como um fator social que limita a capacidade de desfrutar do turismo de surf, tanto por parte dos surfistas que visitam, como por parte dos que são visitados, pois a atração não é apenas haver ondas boas, mas sobretudo haver ondas boas sem crowd. Este dilema leva-nos para uma aparente incompatibilidade entre os interesses político-económicos do surf e os interesses sociais do surf dentro da mesma comunidade. Nick Carrol, um dos mais conceituados jornalistas de surf do mundo levanta uma questão importante: “This idea – that a surfer or surfers can claim ownership of a surf break – goes to the very heart of our moral Code. Nobody owns the waves, it is said. This may be true in a strictly legal sense, but is it true on the deeper moral level?” O surf como atividade dominada por sensações extraordinárias que se baseiam no aproveitamento direto de uma força da natureza, alcança patamares que se encontram muito para além do económico, tais como a felicidade, a relação com a natureza e os benefícios físicos, relacionados numa primeira instância, com a qualidade e diversidade das ondas, e numa segunda instância com a vivência do ambiente e cultura de surf. Envolvendo várias vertentes, como a desportiva, a de lazer ou a de aventura, os surfistas apresentam uma relação de grande proximidade com os princípios de desenvolvimento sustentável, onde o crowd se constitui como um fator extremamente importante na seleção de um destino de surf, ou seja, quanto mais crowd houver menos atrativo será o destino. Em recente entrevista, João Cotrim de Figueiredo, Presidente do Turismo de Portugal, refere que, e passo a citar, “a pressão sobre os residentes é um dos temas que mais acompanhamos de perto com as autarquias, entidades de segurança e de fiscalização. Não apenas por uma questão de coesão social, mas também de atratividade turística”. No turismo de surf em Portugal, não parece vislumbrar-se qualquer indício deste acompanhamento, até porque nem os senhores do Turismo de Portugal, nem os autarcas dos municípios onde o turismo de surf está implementado nada percebem de surf, logo a vontade politica para alterar o modelo vigente, que neste segmento continua baseado na massificação da atividade, é completamente inexistente. A insistência neste modelo, muito provavelmente levar-nos-á a situações futuras bem mais problemáticas do que as atuais, e as atuais em alguns casos são já problemáticas, com ligação direta ao que Nat Young afirmou “… hierarchies at surf spots are gradually being broken down…”. Ainda segundo o Presidente do Turismo de Portugal na mesma entrevista: “…se as pessoas deixarem de receber bem os turistas, porque de alguma forma passaram a ser mais incómodos do que benéficos, então estaremos a perder um ativo e isso não seria inteligente que acontecesse”. Pois é precisamente o que parece começar efetivamente a acontecer. O excesso de crowd em resultado do modelo adotado está a colocar em risco o bem receber que tanto nos carateriza como portugueses, e a razão no setor do turismo de surf é simples: a pressão colocada sobre os surfistas locais, que começam a ver seriamente ameaçados os seus últimos redutos de puro prazer.
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Escrito por: José Miguel Nunes “Surfing is my religion. (…) So is God and religion just a construct of the human brain? Or is the human brain a construct of God” – Ben Marcus Sempre gostei de ler e saber coisas sobre surf. Juntei até ao momento meia centena de livros, entre biografias, histórias, compilações das melhores reportagens de revistas de referência, como a Surfer ou a Surfing, e umas centenas de revistas nacionais e internacionais. Encontram-se entre os que mais gosto algumas “pérolas”, como uma história do surf editada em 1964, a primeira revista portuguesa onde se falou de surf em Portugal datada de 1969, o caderno informativo do primeiro Rip Curl realizado em Peniche em 1988 ou ainda os vinte primeiros números da extinta Surf Magazine. Gosto de escrever sobre surf, dando a minha opinião sobre os factos, ou simplesmente contando algumas histórias destas três décadas que levo de ondas na cabeça, mas também de reportar os feitos dos vários surfistas locais que competem nos diversos circuitos nacionais e internacionais. Mais recentemente senti necessidade de ir um pouco mais além, e propus-me a dissertar sobre surf num mestrado de Turismo e Ambiente. Fi-lo na ótica do surfista e da sua satisfação perante as ondas que Peniche tem para oferecer, pois como surfista acredito que é daí, do mar, das ondas, que qualquer surfista que viaja retira a maior parte da sua satisfação enquanto turista. Foi uma transição não muito fácil para esta nova escrita. Cingir-me apenas aos números e às fontes e deixar de opinar não fazia muito sentido. Foi difícil a adaptação a esta nova maneira de escrever, mais fria, mais crua. O surf para mim sempre foi acima de tudo paixão. Paixão pelas ondas, paixão pelas surfadas, paixão pelas praias, paixão pelas pranchas, paixão pelos amigos com que se partilha o “line-up”, paixão pelos livros, paixão pelas revistas, paixão por poder dar o meu contributo, paixão pelo que escrevo … e nesta nova maneira de escrever não é diferente, nunca será diferente. Ao longo destes anos que escrevo sobre a minha paixão, e já lá vão alguns, senti várias vezes pressão, senti várias vezes tentativas de bloqueio, umas vezes de forma mais evidente, outras de forma mais dissimulada. Sempre lhes fui imune, segui sempre o meu caminho. Este ano outros desafios se porão. Esta nova faceta abriu-me novos horizontes, até há bem pouco tempo desconhecidos, um novo mundo a descobrir no estudo do surf, e devagarinho lá trilharei o meu rumo, também aqui imune às pressões, aos bloqueios, porque também os há, mas uma coisa vos garanto, seguirei o meu caminho, como sempre fiz. Ideias borbulham no meu pensamento para novos estudos, para novos projetos, para novas abordagens ao fenómeno surf. A pouco e pouco vão tomando forma e mais cedo ou mais tarde, espero, materializar-se-ão em algo palpável. Bom ano e boas ondas… Escrito por: José Miguel Nunes “Crowding of surf resources is perhaps the greatest challenge of surf tourism management.” … “Over-exploitation, decline in experience quality.” - Jess Ponting Decorreu nos passados dias 25 e 26 de Novembro na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar em Peniche mais um CONGRESSO INTERNACIONAL DE TURISMO, e ao oitavo ano falou-se finalmente de surf no principal painel. Antes de irmos ao turismo de surf, mas ainda assim não esquecendo que estamos a falar de turismo, disse-nos o Professor John Tribe no referido congresso, na qualidade de especialista em turismo sustentável, “não ser possível continuar a promover um destino que já está sobrelotado”, e na sequência deixa-nos uma pergunta muito pertinente: “Crescer, crescer, crescer… mas quando devemos parar de crescer?” Ora esta é a pergunta que deve ser respondida, e que raramente é. As razões são várias, mas que assentam fundamentalmente numa: A não existência de um modelo de crescimento que inclua esta variável de forma sustentável. Isto leva-nos a outra questão: Qual a razão da não existência de tal modelo? Mais uma vez as razões são várias, mas assentam fundamentalmente numa: Discurso politicamente pouco interessante, pouco populista e de matriz numérica pouco mediatizavel. Passando por cima das imprescindíveis questões de regulamentação (diga-se, inexistente), a que já nos referimos várias vezes em escritos anteriores, existem alguns pontos que os decisores devem ter em atenção quando se lançam nestas jornadas de exploração turística:
Juntemos-lhe agora o surf para falarmos de turismo de surf, então mais três pontos temos de acrescentar aos anteriores e que devem ser também levados em conta se pretendemos a exploração turística com base no surf:
Relativamente ao conceito de onda perfeita, este é diferente de surfista para surfista, conforme o nível de surf em que cada um se enquadra. A onda perfeita para um surfista de nível avançado será com toda a certeza diferente da de um surfista de nível iniciante, e vice-versa, mas cada uma delas encaixar-se-á no seu padrão expectável. Quanto ao crowd, a questão é bem diferente, e seja em que onda for, seja com que nível de surfistas for, muita gente dentro de água implica sempre restrições e desconforto. Este é um ponto sobre o qual já não há qualquer dúvida. O ambiente natural em que qualquer surfista prefere estar inserido aquando da sua prática é algo intrínseco à própria cultura do surf, até porque quanto menos natural for o ambiente que rodeia a praia e a própria onda mais interferências estas sofrem na sua qualidade e consequentemente na experiência vivenciada. No turismo de surf e para o turista de surf o mais importante são as ondas, a sua qualidade, diversidade e a existência de muito ou pouco crowd. A este respeito Jess Ponting deixou-nos no mesmo congresso um importante recado, isto se pretendermos evoluir para um mercado de surf sustentável: “Controlar os turistas e não os locais para controlar o crowd”. Voltando a John Tribe, “educar os turistas é fundamental para que o relacionamento com as comunidades locais seja profícuo e que daí resulte uma maior comunhão, que por consequência trará uma maior satisfação”, ou seja, o paradigma de que quem visita, porque paga, tem todos os direitos, e que quem recebe, por esse fato, tudo deve subvalorizar, terá que mudar. Neste sentido, afirma Doug Palladini, “nos dias de hoje o maior entrave para o surf sustentável é a educação”, e sustenta Fernando Aguerre “a promoção do desporto (surf) não foi acompanhada por qualquer promoção da educação e etiqueta na água.” “Sem previsão e um mapeamento demográfico realista e sustentável, o sonho surf cairá num ponto de rutura”, palavras de Wayne ‘Rabbit’ Bartholomew, isto é, apenas o investimento em infraestruturas para alojamento de cada vez mais turistas de surf, sejam eles provenientes de capitais italianos, alemães ou russos, pouco valem se a capacidade de carga na água estiver já esgotada, ou seja, não controlar a capacidade de carga na água serve apenas para agravar a situação que já de si é problemática, com impactos ainda ao nível ambiental e social. Resumindo, a capacidade de carga de um destino turístico que tenha por base o turismo de surf, tem que ser forçosamente medido dentro de água e nunca, repito, nunca, fora de água, pois é da água e das ondas que os turistas de surf retiram a maior fatia de satisfação da sua experiência de surf, sejam eles iniciantes ou avançados. O não interpretar este aspeto como fulcral para um destino de surf sustentável a longo prazo é um erro de palmatória por parte de quem tem responsabilidades na sua promoção. No final, e como nos diz Aguerre: “When we go surfing we are pursuing happiness.” Escrito por: José Miguel Nunes “…agora há que manter e tornar o desafio sustentável para que isto não seja uma bola de neve que passe por aqui e destrua tudo. O futuro vai passar muito pela qualidade (…) tanto ao nível dos serviços, dos surfcamps, hotelaria ou da restauração como da própria autarquia e dos próprios penichenses.” – José Farinha O mês de Novembro é um mês um pouco atípico relativamente a estas questões do surf e do turismo de surf em Peniche. É o mês seguinte à etapa do WT que por cá passa, ou seja, é o mês em que efetivamente o verão acaba. É o mês em que a maioria dos hostels, surfcamps, guesthouses e outros que tais começam a mandar os seus empregados para o fundo de desemprego e a fechar portas para um merecido período de férias, que em alguns casos se estende até Março. Mas é também o mês em que acontece algo que considero bastante importante para o turismo em Peniche, não só para Peniche, mas sobretudo para Peniche. Refiro-me concretamente ao CONGRESSO INTERNACIONAL DE TURISMO, que este ano realiza já a sua oitava edição na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar. Este evento, infelizmente não me parece ter tido por parte dos operadores e decisores locais a importância que julgo deveria ter relativamente à mais-valia que efetivamente tem, tanto para uns como para outros. Da parte dos operadores turísticos locais poucos ou nenhuns por lá passam para assistir às palestras, relativamente aos decisores, apenas na cerimónia de abertura e na de fecho fazem a sua aparição. Gostaria de frisar que têm passado por cá os maiores nomes a nível mundial na investigação e estudo do fenómeno turístico, e nós, que somos cada vez mais uma região virada para este desígnio, teremos muito a aprender ao ouvir estes especialistas. Mas falemos especificamente de surf, e de turismo de surf. Este ano um dos “Keynote Speakers” neste congresso será Jess Ponting, porventura um dos maiores especialistas a nível mundial sobre o estudo desta área tão específica do Turismo. Jess Ponting faz uma abordagem muito relevante nos seus estudos à questão sustentável do turismo de surf, daí que se torne ainda mais importante ouvir o que ele tem para dizer, isto se o rumo que se pretende trilhar para Peniche neste segmento seja esse, o do Turismo de Surf Sustentável. Há pouco tempo ao navegar por esse mundo das redes sociais deparei-me com uma fotografia do Baleal com o seguinte comentário a acompanhar, e passo a transcrever: “…centenas de surfistas na água! E não tenho dúvida que mais de 90% serão estrangeiros. A economia local só pode agradecer e continuar a qualificar-se para tirar ainda mais partido deste invejável afluxo de turistas”. Este tipo de afirmações e a leveza com que se fazem, deixam-me um pouco perplexo, pois não sei com que fundamento científico se afirma tal. Tenho lido umas dezenas largas de artigos, e falo de artigos científicos, provenientes de investigações de pessoas que por esse mundo fora estudam estas matérias, tenho lido umas dezenas de teses, tanto de mestrado como de doutoramento sobre estas matérias, e em nenhum lado encontrei escrito que centenas de surfistas na água era algo de bom para o turismo de surf e muito menos para um destino turístico de surf, principalmente se este se quer sustentável. Sejamos justos, e verdade seja dita, nunca ninguém com responsabilidades de decisão disse “preto no branco” que queria ou gostaria de desenvolver um modelo de turismo de surf para Peniche que assentasse na sustentabilidade. Nunca ninguém com responsabilidades de decisão disse “preto no branco” que queria para Peniche um modelo de turismo de surf que fosse viável no médio e longo prazo. Assim, continuamos a trabalhar num modelo de curto-prazo, coincidente com ciclos políticos, que à boa maneira portuguesa significam uma coisa tão simples como: massificação e mediatização. Isto só pode ter, na minha opinião, uma de duas explicações: (1) que conscientemente é este o modelo que se quer seguir, o da massificação, mesmo que isso implique a implosão do recurso e do destino, (2), que não se sabe efetivamente o que significam os conceitos de sustentabilidade, de turismo de surf e de turismo de surf sustentável, e em que premissas assentam. A hipótese um revela-nos um problema grave, muito grave até, e não terá um fim feliz, por outro lado, a hipótese dois, apesar de ser também grave, poderá ainda ser solucionável, e ouvir com muita atenção o que o Dr. Jess Ponting terá para dizer pode ser um excelente começo. Recebi ontem um e-mail que dizia assim: Acho que mereces umas pequenas palavras no Peniche Surf News! Se achares por bem, gostaria que publicasses. Então cá está: O Zé já é Mestre! Cumpre-me dar os parabéns ao Zé Miguel pela excelente defesa da sua tese de mestrado, apresentada hoje na ESTM, cujo tema versa sobre “O surfista e a sua satisfação na experiência turística – O caso de Peniche”. Na presença de um júri composto pelo prof. Pedro Bicudo (IST), da prof. Sofia Viana e do prof. Sérgio Araújo (ESTM) e sob a orientação do prof. João Paulo Jorge e prof. Susana Mendes (ESTM), o Zé, cheio de descontração e confiança, tornou público o resultado de 2 anos de investigação científica e cerca de 30 anos a viver em função do surf. Afinal, como ele mencionava, o surf definitivamente altera o estilo de vida de quem o vivencia! O que mais chamou a atenção (a mim e aos presentes), independentemente das questões técnicas abordadas, foi a paixão com que o Zé Miguel se entregou a este projeto, que se refletiu nas conversas, nas leituras, nos pensamentos e consequentemente no produto final. Como o próprio referiu: “este é um projeto emocional!” Gostaria de frisar a presença da sua família neste momento académico - mãe, mulher e Tomás, e do seu pai, que estando no céu, foi quem o encorajou a ser quem é e a quem foi dedicado este magnífico trabalho. Quanto a mim, resta-me continuar a ouvir-te, para que também possa refletir sobre esta coisa, que muitos diziam ser para drogados e pés descalços! Parabéns! Obrigado Patrícia. Escrito por: José Miguel Nunes Há uns dias atrás tive conhecimento de um episódio que considero bastante preocupante, e que é algo que reflete a completa anarquia em que os negócios do surf se encontram em Portugal, e particularmente em Peniche. Imagine o seguinte cenário, tirou uns dias de férias, ou um fim-de-semana para ir à praia. Os factores climáticos conjugam-se, o sol brilha, o mar está calmo e até rebentam umas ondinhas que proporcionam umas carreirinhas, seja nos famosos colchões, nas não menos famosas pranchas de bodyboard dos chineses ou apenas com o corpo, o agora tão na moda “bodysurfing”. Naturalmente as idas à água apetecem e, a brincadeira com os filhos acontece. Um ambiente tipicamente de verão. Imagine ainda que vê chegar à praia onde se encontra, uma escola de surf com os seus alunos. Lá vêm eles todos em fila, de camisinha de licra colorida enfiada e pranchinha na mão. Invadem a zona, precisamente a zona onde está nas brincadeiras aquáticas com os seus filhos. Imagine agora que o instrutor/treinador/responsável da tal escola, lhe pede a si e aos seus filhos para saírem daquela zona que ele quer dar aula aos seus pupilos. Pois é!!! O impensável aconteceu, foi há uns dias na minha praia de infância, no Molhe Leste. Houve inclusivamente quem se deslocasse junto dos nadadores-salvadores para saber se poderiam tomar alguma posição sobre o assunto, ao que estes responderam, e bem, que aquela zona já não estava dentro da concessão, e por isso não tinham legitimidade para intervir. O senhor acabou por levar a sua avante e deu a aulinha, expulsando literalmente da área quem por ali se tentava acercar. Este rocambolesco episódio, tendencialmente mais usual nas nossas praias, não foi por mim presenciado (ainda bem), foi-me transmitido por alguns amigos que estavam na praia nesse dia. Tenho sérias reservas que alguém me conseguisse tirar da água ou mandasse a minha filha sair da água nas condições descritas. Se continuarmos a assobiar para o lado e só nos interessarmos pelo mediatismo que os números do surf provocam nas gordas da imprensa, eximiamente explorados e trabalhados pela classe política, prevêem-se para o futuro graves consequências que atitudes como esta provocam, com implicações inevitáveis para a imagem de Peniche como destino turístico, até mesmo de surf. Escrito por: José Miguel Nunes "The notion of sustainable surf tourism fits with the conception of sustainable touristic activity centered on the sport of surfing, where the needs of surf tourists are met whilst also respecting the current and future social, cultural, economic, and ecological welfare of local people" – Ponting & O’Brien O surf atravessa um período de enorme expansão em Portugal. Ao nível desportivo as mais recentes conquistas mundiais provam-no, ao nível recreativo, o nome de Portugal está intimamente associado às ondas, sejam elas de quarenta metros na Nazaré, ou tubos perfeitos em Peniche. A vertente recreativa do surf está fortemente associada ao negócio do turismo, o tão badalado turismo de surf, com proporções dificilmente imagináveis há meia dúzia de anos atrás. Como consequência, o perigo da massificação dos destinos associados, nomeadamente o de Peniche, ganham contornos que começam a ser preocupantes. Se por um lado o crescente número de turistas que se deslocam a Peniche com o intuito de fazer surf, cria no curto-prazo uma dinâmica económica, por esta altura ainda em fase ascendente, que serve de justificação para quase tudo, por outro, a médio e longo prazo, o previsível declínio, económico, mas sobretudo ambiental e social, poderá ser significativo, e com danos dificilmente reparáveis. Como escreveu Carolina Pereira num recente artigo, “o turismo de surf, na sua essência, cresceu muito orientado para o lucro, com o ‘status quo’ ocidental e já universalizado”, prática que, ainda nas suas palavras “oculta o papel negativo que os surfistas tem na exploração e destruição desses puros paraísos”, na linha do que Barilotti apelidou de colonialismo surfista, com implicações nomeadamente ao nível do lixo, estradas, erosão, poluição da água, degradação ambiental e esgotamento de recursos. É pois imperativo que se inverta o modelo existente, que se legisle e fiscalize adequadamente numa óptica efectivamente sustentável, de modo a que a preservação ambiental e social do destino seja uma prioridade, afirmando-se inquestionavelmente como a base que alavancará a vertente económica, em que a qualidade da oferta terá forçosamente que se sobrepor à quantidade, numa diferenciação positiva de Peniche como destino não só privilegiado em termos de ondas, mas também agradável para a prática do surf. Não nos iludamos, a legislação desadequada e insipiente fiscalização ao fenómeno surf enquanto produto turístico, tende a promover a expansão descontrolada, onde a preservação da qualidade do destino turístico passa para segundo plano, relativamente à obsessão quantitativa dos turistas que pretende albergar, quase numa lógica “troikiana” que desde que se cumpram os números, o resto é irrelevante e até descartável. Escrito por: José Miguel Nunes “The disembedding of Wonderland has enabled the development of a model of surf tourism which is market focussed, economically neo-liberal and disconnected from local place and people.” – Jess Ponting Lisboa recebeu esta semana uma conferência da World Surfing League (WSL), onde foi abordado o impacto que os eventos mundiais de surf têm em Portugal. Estiveram presentes as mais proeminentes figuras desta área existentes cá pelo burgo. Políticos, claro, ao mais alto nível, CEO’s, e até CCO’s. Tenho sido desde sempre um defensor, que o surf poderia ser um enorme catalisador de desenvolvimento económico para determinadas regiões, nomeadamente a de Peniche, e fico sinceramente feliz e orgulhoso, com os milhões que o surf tem feito girar na economia, apesar de achar, porque também leio os estudos, pelo menos aqueles que lá vou conseguindo ter acesso, ainda que não com uma visão de necessidade de mediatização dos números, que não serão estes milhões todos, e que possivelmente estarão um pouco sobrevalorizados, por várias razões, algumas delas políticas. Outra das coisas que me dá enorme satisfação, é cruzar-me na praia, nomeadamente durante o campeonato, estou a falar do Rip Curl Pro Portugal, com quem há alguns anos atrás, considerava os surfistas simples “pés-de-chinelo”, e alguns até a austentarem a bela da pulseira de acreditação no pulso, só não reparei se levavam ‘havaianas’ enfiadas, mas isso é um pormenor insignificante, as ‘havaianas’, claro está. Não sou defensor, nunca fui, nem acredito, que o surf seja o “salvador da pátria”, como parece ser a mensagem que muito boa gente com responsabilidade quer fazer passar, até porque, como diz o ditado, “quando a esmola é grande, o pobre desconfia”, e isto, meus amigos, é muito milhão. São não sei quantos milhões de retorno mediático, mais não sei quantos milhões de receita total, e mais não sei quantos milhões disto e mais não sei quantos milhões daquilo, é só milhões. Parece que a única coisa que não é aos milhões no meio disto tudo, são os empregos com estabilidade e condições dignas de trabalho para quem está no sector, e agora estou a falar de gente comum, do simples trabalhador, essencial para a máquina rolar e gerar todos aqueles milhões. A notícia sobre esta conferência trazia um vídeo associado, em que os senhores do surf, uns efectivamente Senhores (letra maiúscula) do surf, outros nem tanto, mas isso são outros quinhentos, davam a sua opinião sobre o assunto. A título de exemplo, a tónica comum no discurso dos três Presidentes de Câmara auscultados, foi claramente os milhões do turismo de surf, declaradamente numa óptica de curto prazo, e onde a sustentabilidade é apenas uma palavra vã, que fica bem no discurso, sem qualquer consequência na prática. Basta olhar para alguns dos projectos realizados e/ou autorizados ou em vias de realização e/ou autorização nestes municípios. Tenho sérias dúvidas que algum destes decisores tenha lido, ou mandado algum dos seus assessores ler, autores como Lazarow, Buckley, Ponting, Assenov, Dolnicar, Barbieri, Fluker ou Farmer, só para citar alguns, pois se o tivessem feito, é muito provável que o modelo que estão a seguir para o turismo de surf em Portugal, não trilhasse o caminho que está a trilhar. Um dos Senhores (este com letra maiúscula) que deu a sua opinião neste vídeo, foi Fred Patacchia, surfista profissional, e ele disse algo que nos deveria deixar a pensar um pouco, e que é o seguinte: gosto de vir a Portugal, porque não está americanizado. Acrescento eu, não está, AINDA, mas pelo andar da carruagem, para lá caminhamos, e a passos largos. Escrito por: José Miguel Nunes Há um ano a esta parte, passei por um dos piores meses da minha vida. Não tinha motivação para escrever sobre surf, ler sobre surf ou pensar sobre surf, algo que faz parte da minha rotina diária. O pensamento estava inevitavelmente noutro sítio, não que eu o desejasse, mas não o conseguia evitar.
Precisava de algo que me distraísse, que me mantivesse entretido, sem grande necessidade de concentração, de preferência alegre, em oposição a tudo aquilo que me ocupava a alma no momento. Quando era miúdo, as colecções de cromos da bola faziam as nossas delícias, e em ano de mundial era obrigatório. Uma das que mais gostei, e ainda hoje a tenho lá para casa dos meus pais, foi a do mundial de 1982, realizado em Espanha. Esta, ao invés das tradicionais fotos dos craques, era composta pelas suas caricaturas. E se fizesse algo parecido com os craques do surf cá da terrinha? Com aquela malta da antiga. Era capaz de ficar engraçado. Cá estava algo que me poderia ajudar a libertar um pouco do estado de espírito depressivo em que me encontrava. Agarrei numa foto de um amigo e comecei a esticar daqui, a encolher dali, …, solto uma gargalhada, mais um efeito assim, mais uma sombra acolá. Como diria o outro, tá porreiro pá. Segue-se outra, e outra, … nasceram as FIGURAS DO SURF PENICHEIRO. Se o pessoal gostar, posso fazer umas dez ou vinte. E não é que o pessoal gostou. Em pouco tempo não eram dez ou vinte, mas trinta ou quarenta, e surge mais um nome, e ainda outro, e não me posso esquecer deste, nem daquele… neste momento estão publicadas noventa e duas. Irão ser cem as FIGURAS desta primeira edição. Muitos ficaram de fora, por várias razões, ou por não conseguir arranjar uma foto, ou uma em condições para a poder trabalhar, ou simplesmente por esquecimento. Desde já apresento as minhas desculpas aos “excluídos”, fica a promessa de tudo fazer para os incluir numa próxima edição, se assim vier a acontecer. Chegou agora a vez dos “SUBS”, preparem essas carinhas larocas, pois a seguir às FIGURAS irão seguir-se as FIGURINHAS… Boas ondas… Escrito por: José Miguel Nunes A importância de sermos os primeiros de qualquer coisa, acarreta em si, um significado importante de orgulho pessoal. É algo natural e até legitimo, próprio da raça humana. Devemos orgulhar-nos dos nossos feitos, claro que sim, sem complexos, falsas modéstias e acima de tudo sem vedetismos. A importância de sermos os primeiros a fazer algo, dá-nos a possibilidade de entrarmos para a história. Dá-nos a possibilidade de atingirmos algo perseguido deste sempre… a imortalidade, e este facto é determinante para a incessante busca do pioneirismo. Claro está, que podemos ficar na história por boas ou más razões. O Sócrates por exemplo ficará para a história, não por ter sido primeiro-ministro, ou um grande primeiro-ministro, mas por ter sido o primeiro primeiro-ministro a ser preso em Portugal. Não sei se sentirá motivo de orgulho pelo facto, mas que ficará para a história, lá isso ficará. Mas vamos ao surf, que este é um “blog” de surf. O “Saca” ficará para a história do surf em Portugal, não por ter entrado na elite do surf mundial, mas por ter sido o primeiro Português a fazê-lo. O “Bubas”, ficará para a história do surf em Portugal, não por ter sido campeão nacional de surf (ainda que com as reservas que esse título possa deixar), mas por ter sido efectivamente o primeiro a sê-lo. O “Micá” ficará para a história do SUP em Portugal, não por ganhar as provas todas, passe o exagero, de SUPWave, mas por ter sido o primeiro campeão nacional da modalidade. É assim, através dos seus feitos, do seu pioneirismo, perderam a característica mortal dos simples, passaram para o outro nível, tornaram-se imortais, ficaram na história. Depois há os outros, aqueles que terão de ficar para a história por terem sido os percursores dos anteriores, o Beltrano que fazia carreirinhas, que agora também é surfing, o Sicrano que andava num colchão “repimpa”, ou o Zé da Esquina que com uns bocados de cortiça já praticava o bellyboard. A comunicação social, adora encontrar os primeiros de qualquer coisa. Numa perspectiva de marketing, as empresas são pródigas em aproveitar os primeiros de qualquer coisa. Alguns políticos “dão o rabinho e cinco tostões” para aparecer na fotografia ao lado dos primeiros de qualquer coisa, e nós… bem, nós, simples desconhecidos, continuamos a nossa busca incessante de sermos os primeiros de qualquer coisa, para podermos ser adorados pela comunicação social, aproveitados pelo marketing das empresas e aparecermos na fotografia ao lado dos políticos do momento. Sorrisos e mais sorrisos. A “vipalhada” a fazer fila para nos cumprimentar. As histórias para contar são mais que muitas. O discurso aprimora-se, aqui e ali, uma pontinha de exagero torna a história sem interesse em interessante. A t-shirt da marca, dissimuladamente patrocinadora, não falha. As solicitações para eventos são tantas que já é quase um emprego. O orgulho e a auto-estima estão nos píncaros. Tudo corre às mil maravilhas… E se por mero acaso o primeiro de qualquer coisa, afinal não o foi? Ui…ui… os políticos são os primeiros a dar de slide, as empresas correm a pente fino o eventual acordo na esperança de o solucionarem, os convites para os eventos escasseiam, e do antigo primeiro, tratado como um semi-Deus, à condição imortal, já não rezará a história. Retornou à simples condição de mortal, condenado ao esquecimento como qualquer outro. Quão efémero é o reconhecimento por algo que tanto nos orgulha, quão efémera é esta sociedade de aparências, em que o mais importante é o rótulo do que fazemos e não efectivamente o que fazemos. Como disse o meu bom amigo Ricas: “Numa época em que muitos afirmam, sem qualquer hesitação, que foram os primeiros a surfar em Portugal, os primeiros a surfar em Carcavelos, os primeiros no Baleal, os primeiros lá da rua… Porra pá, eu nem o primeiro do meu prédio fui!!” Agora que penso nisso, eu fui o primeiro do meu prédio. Será que o novo dono da loja de electrodomésticos do rés-do-chão sabe disso? Hummm… |
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