Escrito por: Patrícia Reis (...continuação) (O surf como subcultura e estilo de vida) Difundido através do cinema norte-americano, o surf tornou-se a partir da década de 50/60, o centro de gravidade de uma diversificada indústria na Califórnia. O aparecimento das primeiras lojas, bandas musicais (Beach Boys), revistas (The Surfer Quarterly) e filmes de surf (The Endless Summer), permite o nascimento da cultura do surf, que passa a ser encarado como um estilo ou uma forma de estar na vida – surf lifestyle, também designado de “espírito aloha”. Na língua havaiana Aloha significa “alegria (oha) de compartilhar (alo) energia vital (ha) no presente (oha). Este mito do surfista na praia com sol, boas ondas e fins de tarde à volta da fogueira, criou no imaginário das pessoas a visão de um sonho. Se refletirmos sobre o conceito de cultura de um grupo, pode afirmar-se que é o estilo de vida peculiar e distintivo desse grupo, os significados, valores e ideias encarnados nas instituições, nas relações sociais, nos sistemas de crenças, nas tradições e costumes, nos usos de objetos e vida material (Clarke, Jefferson e Roberts,1976). Nesta visão cultura é algo social e historicamente inserido, construído e vivido. Na cultura do surf, os surfistas formam um grupo dentro da sociedade, ou seja, uma subcultura onde os seus membros dividem crenças e experiências comuns que se distinguem dos outros. A cultura do surf inclui, assim, as pessoas, a linguagem, a moda, a música, a literatura, os filmes e o estilo de vida, havendo um lugar privilegiado para a convivência dos que se identificam com essa cultura - a praia, quer sejam praticantes ou simplesmente admiradores do desporto, mas que com a cultura se identificam. Os surfistas buscam o desejo pela onda perfeita, a vida em torno do oceano e a cultura da praia, daí o surf se ter consagrado não apenas como um desporto, mas também como uma cultura, um estilo de vida, um estado de espírito, liberdade e integração com a natureza. O surf é, assim, algo que mistura desporto, paixão, estilo de vida, comportamento e lazer. Isto significa que, o desporto extrapolou o espaço da praia e configurou um estilo de vida que é consumido por pessoas que podem ser ou não surfistas, frequentar ou não praias, enfrentar ou não o mar, viver ou não em zonas litorais. O surf não se resume, à prática de um desporto, manifesta-se sobretudo, na cultura: diz respeito a roupas, visual, lojas e marcas, comida, natureza, saúde, música, hábitos, media. Em 1976, Hull elegeu cinco fatores intrínsecos necessários para o surgimento e manutenção de uma cultura de surf, que podem ser aplicáveis para a grande maioria dos destinos de surf: 1. Qualidade e consistência das ondas; 2. Clima (temperatura da água); 3. Acessos públicos relativamente fáceis à praia/linha de costa (exclusividade, custos, distância); 4. Recetividade dos residentes/comunidade local à prática do surf e aos surfistas; 5. Divulgação da atividade de forma a atrair a comunidade. Daqui se conclui, que é a coexistência destes cinco fatores geográficos e sociais que contribuem para o surgimento de uma cultura de surf e consequentemente para o desenvolvimento de um destino de surf. Em suma, pode dizer-se, que muitas regiões possuem boas praias, boas ondas e que podem ser concorrentes entre si, mas, com certeza, a cultura de cada uma delas é exclusiva e este detalhe diferencial torna-se determinante na escolha de um destino de surf. Como referido na primeira parte deste artigo, o estudo realizado mostrou que a grande diferença no processo de escolha de um destino de surf, reside no atributo ambiente e cultura do surf e que este é o atributo diferenciador e estratégico na gestão de um destino de surf. É, por isso, importante que quem visite o destino “respire” e veja surf por todo o lado, seja na praia, nos centros urbanos, na zona dos bares e restaurantes, nos alojamentos, no comércio local. O ambiente (local) deve identificar-se com o surf, e o surf com esse ambiente. Além disso, é fundamental que a comunidade local se identifique com esta realidade e se embrenhe com ela. Neste sentido, a cultura do surf deverá influenciar tanto as comunidades visitadas como as visitantes, com um estilo de vida que remete à liberdade e à busca de novas sensações, uma vez que viver o ambiente e a cultura do surf é, sem dúvida, uma experiência que renderá memórias para toda a vida. É importante relembrar a existência de dois consumidores de surf, os praticantes e os simpatizantes (espectadores e companheiros (as) não-surfistas): aqueles que não surfam, mas que admiram o estilo de vida do desporto e se identificam com os valores da subcultura e que são responsáveis pela maior parte de consumo no mercado de surf, ou seja, partilham os valores da subcultura sem frequentar a praia, justamente através do consumo dos produtos a ela relacionados. É possível perceber que a cultura do surf está aberta a novos integrantes, sendo que a única condição imposta é gostar de surf. O ambiente e a cultura do surf influenciam, assim, não só os praticantes mas todos os que se querem associar a essa cultura, o que torna este segmento de turismo num importante fator de desenvolvimento. Além disso, o surf tem grande apelo emocional, pois mesmo que não haja boas ondas, os surfistas continuam nos destinos, contemplando o mar e as ondas, palco onde tudo acontece. Tal não sucede com outro tipo de desporto! No turismo, o que poderá persuadir os turistas a visitar (e revisitar) um determinado local em detrimento de outro é o nível de visibilidade, conhecimento e empatia com o destino e com os seus valores. Os destinos de surf devem, pois, procurar transformar-se em lugares que proporcionem a vivência de experiências ligadas ao surf lifestyle, em vez de simples lugares que apenas possuam ótimas condições para a prática do surf, mas que não tenham mais nada para oferecer. Os destinos de surf devem ter a capacidade de marcar a diferença, de fazer sonhar e criar desejo, só desta forma conseguirão posicionar-se, se praticarem um marketing inovador, capaz de criar vantagens competitivas e comunicar para segmentos específicos. Sendo o surf uma cultura e um estilo de vida, há que partilhá-lo tentando proporcionar o ambiente, o espaço e as condições ideais para que as pessoas que amam o surf se possam encontrar, partilhar ondas e gostos em comum, num ambiente saudável e descontraído, bem ao estilo do espírito e filosofia surfista. Um ambiente que proporcione a envolvência que eles tanto gostam e onde se sentem bem, o ambiente e cultura do surf. De referir que, o atributo ambiente e cultura de surf não depende das condições naturais existentes, como a diversidade do tipo de ondas e dos locais para surfar, mas sim da visão dos agentes locais ligados ao surf (surfistas locais, população, autarquia, patrocinadores, associações locais e outras entidades públicas e privadas) e do seu envolvimento para a definição de uma estratégia sustentável e de longo prazo. Essa estratégia deve apostar no surf como um negócio, criador de riqueza, emprego e desenvolvimento local e deverá dar enfoque às questões ambientais, através da valorização da costa, das ondas e praias locais. O atributo ambiente e cultura de surf tem a capacidade de atrair mais segmentos de turistas de surf, combatendo a sazonalidade, contribuindo para um aumento dos consumos em restauração, alojamento, património e outros recursos, e em simultâneo identificar-se com a comunidade local, posicionando o destino como um verdadeiro destino de surf. Conforme os princípios da sustentabilidade, a indústria do turismo só faz sentido quando traz qualidade de vida, bem-estar e riqueza para as populações locais.
2 Comentários
António Sales
17/7/2012 12:10:26
Parabéns à Patricia por mais esta bela dissertação. Fiquei a saber que se pode ser "surfista" sem saber surfar, basta ter o lifestyle pretendido e viver de acordo com o mesmo. Depois percebi que um destino de surf, como é o nosso caso, tem de se identificar como local que proporciona a vivência deste estilo de vida em todas as linhas, por forma a fidelizar os surfistas, e isto é para ter em atenção, principalmente por quem nos governa e pelo tecido empresarial/comercial.
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rita
29/9/2012 17:45:33
Olá Patrícia,
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