Escrito por: Patrícia Reis O turismo é um fenómeno multidimensional, que produz e consome espaços e, por consequência territórios. Isto significa que, o turismo apropria-se dos territórios e turistifica-os, ou seja, (re) inventa lugares para consumo turístico. O turismo é, por isso, um fenómeno que se concretiza no uso do território, que se torna um elemento decisivo na atratividade turística. No território, a natureza motiva os indivíduos à viagem (porque garante uma evasão ao quotidiano), daí que os elementos naturais de um país/região sejam mencionados como criadores de lugares turísticos dando, deste modo, origem a novas identidades locais. O espaço litoral é um exemplo de território que originou novas identidades. O despertar e a construção do desejo coletivo de praia e beira-mar como espaço lúdico e território de lazer, é uma criação de meados do século XX, que conduziu ao surgimento de várias estâncias balneares em Portugal. Este fenómeno significou uma mutação na perceção da orla costeira que, de território abandonado e selvagem, transformou-se, pela descoberta de uma nova função a ele associada, num sítio socialmente aprazível e recomendável como espaço de fruição e convívio. Instituíram-se novos comportamentos sociais, novos locais e formas de ocupação do tempo livre, que dá origem ao turismo sol/praia. Nesta apropriação dos litorais é possível identificar várias tipologias de destinos costeiros, nomeadamente destinos onde o turismo se desenvolveu na presença de estruturas preexistentes, de que são exemplo as comunidades piscatórias de Peniche, Ericeira e Nazaré. Regiões litorais que, originalmente ocupadas pelos pescadores e comunidades tradicionais, se transformam em aglomerados onde a atividade turística passa a dominante. Mas, longe vão os tempos de longas estadas na praia ao sol, e, cada vez mais, o indivíduo procura usufruir de outras atividades/experiências, que não apenas o sol e os banhos de mar, procurando participar de maneira ativa no destino. Para tal, envolve-se em atividades que lhe proporcionem sensações e emoções fortes e inesquecíveis, com um elevado grau de incerteza e aventura (onde prove limites pessoais) e que lhe proporcionem respirar ar puro e reencontrar-se consigo mesmo, nomeadamente atividades desportivas. Além disso, o mercado de férias perde a sua vinculação a uma só motivação – tradicionais férias de praia – para uma combinação de práticas turísticas em zonas costeiras, associadas a múltiplos interesses. Esta evolução da oferta turística dá lugar à valorização de produtos turísticos segmentados e especializados para nichos de procura e à emergência de uma consciência ambiental, que se traduz na recuperação do natural, como território de experiência turística. Surgem novas modalidades de turismo, novos turistas e novos percursos, que enfatizam a natureza dos lugares visitados e o consumo de bens naturais e culturais diferenciados. Os tradicionais destinos de sol/praia perdem capacidade atrativa e assiste-se a um abrandamento da procura deste produto turístico, na sua forma tradicional. Perante este intensivo cocktail de motivações, onde a procura é cada vez mais experiente e exigente, cabe ao território adaptar-se e responder de modo diferenciador e inovador, apostando em produtos turísticos alternativos ao sol/praia, baseados nas potencialidades existentes no território. Esse processo de aproveitamento de recursos passa pela construção ou reformulação das identidades locais, bem como pela valorização do património natural e cultural, através de projetos de desenvolvimento que resultem num novo tipo de territorialidade. No fundo, trata-se de refazer, renovar ou redescobrir o território, para que ganhe novas dimensões e novas missões; trata-se de conferir novas imagens a velhos lugares. Neste contexto, Peniche é um bom exemplo de renovação de território. Em Peniche, o mar tem influenciado a história e vivências das suas gentes ao longo dos séculos e sempre atuou de forma relevante no desenvolvimento local. Foi através do mar que chegaram os primeiros habitantes e foi esse mesmo mar que forneceu os recursos necessários ao desenvolvimento da atividade piscatória (pesca, construção naval e indústria conserveira). Nos anos 70 e 80, com a valorização do litoral e com a melhoria das acessibilidades e transportes, foi sendo absorvido pelo crescimento urbano transformando-se, progressivamente, num território turístico, afirmando-se como um destino de sol/praia e por certas particularidades de uma autenticidade distintiva: cultura, tradições, gastronomia e modos de vida. Assiste-se, em Peniche, a um processo de turistificação (transformação material e simbólica dos espaços tradicionais em espaços de consumo turístico), que se traduziu em uma nova lógica de utilização do território costeiro e que se repercutiu na alteração dos modos de vida e hábitos da comunidade local. Nos últimos anos, as praias (que ocupam desde sempre um lugar de destaque do ponto de vista turístico), têm vindo progressivamente a adquirir novos hábitos de consumo, como resposta às novas necessidades e motivações da procura turística, e tornam-se no espaço ideal para a prática de atividades de lazer ativo e aventura. Os desportos de ondas, como o surf, encontram neste território (peculiar geograficamente) um imenso espaço para se desenvolverem e promoverem (de verão e inverno), fazendo de Peniche um excelente destino de surf. Este potencial do concelho para a prática do surf (e desportos associados) e o pioneirismo assumido por uma geração de surfistas mais qualificados e empreendedores, que souberam potenciar recursos e desenvolver iniciativas, tem conduzido à refuncionalização do espaço costeiro de Peniche, ou seja, ao desenvolvimento de outras funções do território turístico, para além da vertente do lazer passivo. Em Peniche é visível a aposta no potencial turístico relacionado com o mar, assente na capacidade única da sua costa e dos elementos distintivos do concelho. O lugar inventado para e pelo turismo transforma-se em um outro, desejado e esperado pelos turistas. Na medida, em que o território é percorrido e (re) descoberto pelos turistas de surf, que desfrutam e interagem com as belezas naturais do concelho, envolvendo-se ativamente em experiências sensoriais, relacionadas com a natureza e com a cultura local, num ambiente saudável e descontraído, bem ao estilo do espírito surfista. O turismo de surf parece, assim, ser uma oportunidade para revitalizar e consolidar a imagem de Peniche na dimensão desportiva, económica, social e cultural, através da criação de uma nova identidade local, que se repercute no rejuvenescimento do lugar. Assim, de território piscatório e de veraneio, Peniche é, também, hoje um território de surf, desenvolvendo a sua cultura de mar numa perspetiva renovada e moderna, aliando modernidade e tradição. O turismo de surf transforma a forma como o mar é percebido, culturalmente visto e economicamente valorizado. Saliente-se, aqui, a importância do mar como arquétipo estruturante da vida e cultura penichense. Isto significa que, toda a relação entre o desenvolvimento do turismo e do turismo de surf e a constituição de Peniche enquanto território remete sempre, direta ou indiretamente, ao mar. O mar continua a representar um importante papel no desenvolvimento local e no modo de vida da comunidade local, agora já não tanto pelos produtos daí advindos (peixe), mas, sobretudo, pelo desejo que suas praias/ondas/cultura local despertam nos visitantes. Por outras palavras, o mar é o principal responsável pela transformação de Peniche em um território turístico e de surf, o que mostra a capacidade de como o território é recurso/produto principal. Num mundo globalizado, a personalidade de um lugar encerra diferentes identidades que são, cada vez mais, trabalhadas para consumo dos turistas. Desta forma, o uso do território pelo turismo deve ser sempre feito de forma harmoniosa, preservando a identidade e singularidade do local, na medida em que a diferencia dos outros lugares. A competitividade de um território está, assim, associada à sua dinâmica em termos de inovação e depende de caraterísticas e fatores específicos de cada território. Logo, o reforço da identidade e das especificidades locais de Peniche são, pois, condição para a sua valorização enquanto território de surf. Em Peniche, tende a observar-se a articulação das georreferências com novas práticas turísticas, com novas formas de lazer, com novos modos de usar o território. Porque o território, qualquer que seja a sua dimensão, é na sua essência uma produção humana, é nele que se constroem as relações sociais, é nele que se (re) cria a identidade e a singularidade cultural, neste caso concreto identidade que é consubstanciada no mar. Afinal, Peniche é sinónimo de mar! *Este excerto é um resumo de um artigo apresentado e publicado, por ocasião do 1º Encontro Científico da I2ES, Maio de 2015.
1 Comentário
Manuel Vitorino
4/6/2015 08:48:14
Gosto do artigo. Parabéns! cada vez mais a Estratégia Nacional do Mar tem vindo a dar frutos. O aproveitamento do mar tem vindo a gerar inúmeros postos de trabalho nas mais diversas áreas, mas essencialmente com o aumento exponencial do turismo de surf, que contribui para o desenvolvimento económico sustentável dos territórios costeiros, com o seu impacte económico nas economias locais.
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