Baía Escrito por: Luís Rafa Matos A minha experiência com ondas começou nos anos 70 como observador, e advém de ambos os meus progenitores serem Penicheiros, apesar de eu ser nascido e criado em Torres Vedras. A minha infância foi passada a enrijar o esqueleto nas então grandes dunas (as mesmas que hoje infelizmente quase desapareceram na totalidade) da Baía, nas quais mandava grandes voos...e grandes estalos. O tempo decorria entre essa actividade e a observação dos surfistas no Cantinho da Baía, Lagido e de “windsurfistas” na pouco frequentada Praia do Medão, antes apelidada pelos meus familiares de “praia do guano/moscas”, devido ao mau cheiro exalado pela fábrica de processamento de resíduos das indústrias pesqueiras e de conservas que foi entretanto desactivada. Esta praia é a agora internacionalmente conhecida e concorrida Praia de Supertubos. Mas voltando às ondas, ansiava pelo momento de me fazer a elas, mas os receios normais de quem é pai adiaram o ansiado momento até aos 14 anos. Comecei na “pior” onda de Peniche: - O Cantinho da Baía! Foi lá que conheci os primeiros “bodyboarders” como o André e Filipe Cardoso, o Zézé, o Lois, o Guilherme de Lisboa e mais alguns que não me recordo o nome, todos eles impecáveis sendo o Filipinho já na altura um grande “fuçanga” de ondas. Peniche era praticamente uma terra só de pescadores e o Baleal durante o verão era frequentado excepcionalmente por algumas famílias “bem” de Lisboa e arredores que apreciavam a beleza e o isolamento permitido pelo local. O “crowd” era assim constituído por pessoal das Caldas Rainha, Lisboa (os do Baleal), e de Peniche. O pessoal de Peniche preferia as ondas do lado sul, como o Molhe Leste e os Super. De verão entregavam-se mais à caça, às gatas e outras actividades, excepção feita ao Albano, Valara, Jorge Cação, Joãozinho da Consolação, Faxica e a mais alguns que tinham muita pica e surfavam tudo todo o ano. O pessoal de Peniche tinha a fama de pessoal “hardcore” eram supostamente drogados, localistas e maus como as cobras, mas o que vi não apoia essa tese, o que vi desde puto, diz-me que esse pessoal tinha (tem) sangue a bombar nas veias e pica para surfar certas ondas que o pessoal do Baleal apenas sonhava em surfar. Lembro-me de um surfista do Baleal, bem conhecido hoje em dia e que é grande caçador submarino, dizer que Supertubos era uma “merda” porque fechava muito...!! Assim como este, muitos frequentadores do Baleal, arranjavam desculpas para não surfar quando o vento virava norte! Mas com o tempo e a evolução natural, todos se foram fazendo ao ouro... No dia de Natal de 1988 foi a primeira vez que surfei ondas que considerei grandes, na minha estreia no Molhe Leste. Estava clássico e com três pessoas na água: o Albano e mais dois surfistas, um deles bastante parvalhão que me engodou para os maiores “close-outs” que tinha apanhado até à data. Todos se riram às minhas custas, mas o Albano a dada altura lá me ensinou como escolher as boas, mas o “bottom-turn” revelou-se bastante mais truculento do que no Cantinho da Baía, evidenciando a minha falta de talento e de experiência. Saí bastante amarrotado da água, mas tinha gostado de sentir aquele poder e de ter tido o primeiro vislumbre de um tubo antes de embicar, ou de levar com o “lip” pelas costas, pois naquele dia deu para tudo. Jurei a mim mesmo que haveria de conseguir surfar decentemente (ainda que deitado) aquelas ondas. Dediquei-me à causa e todos os fins de semana de verão ou de inverno lá ia eu, aproveitando a boleia dos passeios dominicais familiares. Assim decorreu o tempo até que adquiri uma vespa e obtive finalmente a minha liberdade, aumentando a frequência de surfadas. Isto apesar de tal feliz evento não ser isento de um sofrimento penitencial, enfrentar de vespa com um “bodyboard” ás costas, chuva, vento e frio durante os intermináveis 36 km que separam Torres Vedras de Peniche, não era pêra doce, mas todo o sofrimento me parecia mínimo em comparação com a satisfação obtida por surfar ondas perfeitas, e elas eram de facto perfeitas. Pelo menos é assim que me recordo delas. Cada “set” que entrava nos Super desde que estivesse vento norte, equivalia a 7 ou 8 ondas perfeitas em cada 10 que entravam, hoje não sei se continua assim. O Molhe Leste era irreal até ao momento da ampliação do Pontão da Ribeira; constituía um parque de diversões sem igual com rampas em cotovelo, tubos e tudo o que se tem direito em sonhos. Sempre com “crowd” é certo, mas lembro-me de muitas surfadas em dias de semana com 2 e 3 pessoas no pico e ondas de 1m com off... Apesar da apregoada rivalidade surf / bodyboard, o facto é que surfistas como o Jorge Cação e Joãozinho da Consolação me deram valiosas dicas principalmente em mares de respeito nos Super, onde a coisa se tornava mais séria. Juntamente com o Barrela, Tino, Armindo, e outros bodyboarders referidos anteriormente, posso afirmar que mais parecíamos uma família das ondas do que qualquer outra coisa. Foram tempos indescritíveis com mares clássicos em todos os picos desde os Super passando pela Baía até aos Belgas e sempre com um “crowd” impulsivo mas fundamentalmente respeitador e divertido. Uma presença semi-constante em Peniche eram os bifes. Eram respeitados desde que respeitassem, mas cheguei a ver alguns (merecidos) apertos a carapaus de corrida que pensavam que eram mais que os outros. Lembro-me particularmente de um episódio com um alemão particularmente pouco inteligente que me “dropinou” de forma perigosa no Lagido e que acabou por apanhar uns tabefes, não sei se aprendeu algo com isso, mas gostei de vê-lo a olhar para os outros surfistas à procura de apoio e de todos encolherem os ombros como quem diz:” Bem mereceste a galheta ó parvalhão” – infelizmente este bife não largou o osso, e hoje é dono de um conhecido “surfcamp” ajudando assim a “crowdear” as praias de Peniche. Não sei se continua parvo, espero que não, mas acredito que sim, pois como nos ensinam a história e a infeliz actualidade económica, os alemães não aprendem nem quando levam na tromba. Estávamos a meio dos anos 90 quando o “crowd” começou a tornar-se mais denso. Lembro-me de muitos “Pro´s” do surf que até eram capas de revista chegarem ao parque de estacionamento dos Super, arregalarem os olhos com os “sets” de 2m a entrar na maré-vazia, e ficarem nos carros em actividades pouco dignas de um desportista profissional. Os poucos que entravam tinham atitudes típicas de um medíocre “campeão da praia”, evidenciando assim a sua parca inteligência. Basicamente o pessoal de Peniche surfava muito melhor naquelas condições do que estes supostos pro´s da tanga, e por isso até hoje considero essa geração de surfistas como sendo a geração mais “poser” que o surf português já viu, curiosamente alguns ainda andam aí às voltas, alguns com motas de água a apanhar rabinhos de ondas grandes, não entendo bem o como ou o porquê de ainda serem apoiados. Mas pronto, adiante. Felizmente a nova geração do surf profissional nada tem a ver com esta dos 90´s. De há uns anos para cá, Peniche tornou-se numa Meca do surf Português com tudo o que isso tem de bom e de mau. O “crowd” tornou-se relativamente insuportável, e existe muita gente a ganhar dinheiro com surf, muitos (se calhar a maioria) não são de Peniche o que é profundamente lamentável. Eu pessoalmente deixei de surfar em Peniche no início dos anos 2000 e deixei de surfar de todo em 2007. Porquê? Porque se passou de um ambiente de verdadeira contemplação e disfrute da natureza, para uma coisa estranha que não sei bem definir; mas incluí competição, conversa fiada e muita mas muita pose. Ainda é possível obter as mesmas sensações Zen de antigamente, mas em condições especiais para as quais deixei de ter disponibilidade para procurar e forma física para enfrentar. Ainda assim foram 20 anos de Gozo à Grande. Um muito Obrigado a esta mãe natureza que me permitiu tantas horas de prazer! PS: De vez em quando ainda lá vou...
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