Escrito por: Edgar Henriques Muito se tem falado e escrito acerca das Escolas de Surf no nosso país, os conteúdos abordados sobre este assunto apontam nas mais diversas direções e tecem algumas críticas a vários níveis tais como, legislação insuficiente, formas de intervenção desadequadas, ensino desajustado e por vezes pouco pedagógico. Poderia também direcionar-me para a falta de critério no rácio Monitor/Aluno ou ainda na ausência de um Código de Conduta que discipline a atuação das escolas de surf, quando estão a laborar. O crescimento do surf em Portugal, levou ao aparecimento de uma nova figura no panorama nacional as “Escolas de Surf”, que vão ganhando espaço no fomento da atividade do surf. O desenvolvimento da modalidade inicialmente teve como base o associativismo desportivo (clubes), pois foram estes os pioneiros na dinamização do ensino do surf e organização de competições, aspetos que o fizeram crescer, ao nível do número de praticantes e qualidade técnica. Hoje atrevo-me a dizer que as Escolas de Surf sufocaram e substituíram os Clubes, na função do ensino e treino do surf. Perante este cenário a Federação Portuguesa de Surf, salvo o erro, em 2003, tentou minimizar o vazio regulamentar existente, criado pelo aparecimento desta nova figura no meio do surf, as “escolas de surf”, e criou um Regulamento de Funcionamento das Escolas e Centros de Treino, a fim de pôr termo a esta lacuna. Penso que o objetivo deste regulamento, era enquadrar as Escolas e Centros de Treino, na dinâmica do associativismo, dando aos clubes a possibilidade de ter uma “mais valia”, para a dinamização e crescimento do surf e consequentemente o aumento do numero de atletas praticantes. Passado quase uma dezena de anos, conclui-se que o instrumento disciplinador das Escolas de Surf, não conseguiu ser eficaz e revelou-se insuficiente, porque quiseram atribuir-lhe um papel demasiado abrangente, onde coube tudo em matéria de escolas de surf, desde as agregadas a clubes, passando pelas privadas ou centros de treino. Talvez esta ferramenta tenha sido arquitetada levianamente sem considerar que no futuro poderia ser insuficiente para defender o desporto e a própria federação. Este regulamento, constituído por 11 (onze) capítulos, descreve de forma resumida as linhas orientadoras para esta matéria. Fala da Definição, do Âmbito, passando pelos Objetivos, incluindo também os Deveres e Obrigações, aborda ainda os Treinadores, funções Técnico Pedagógicas, Segurança, Negligencia e Direitos. O mesmo diploma, apresenta as seguintes definições: Definição e Âmbito: Consideram-se escolas e/ou centros de treino de Surf, Bodyboard, Longboard e Kneeboard todas as estruturas profissionais ou amadoras pertencentes a pessoas, clubes, autarquias, escolas ou outras Instituições públicas ou privadas onde se proceda ao ensino e/ou treino de Surf, Bodyboard, Longboard e Kneeboard. Objetivos: Visa o presente regulamento definir as normas de funcionamento das escolas de surf em território nacional nomeadamente no que respeita a: a) Habilitação profissional de treinadores b) Condições de segurança c) Procedimentos administrativos d) Condições materiais para a prática Deveres: a) Deverão as escolas de surf particulares ou de clubes procederem ao seu registo na Federação Portuguesa de Surf através de ficha própria solicitando a emissão do respetivo certificado essa ficha deverá ser completada com os dados referentes aos elementos que pelo presente regulamento se exigem e abaixo se descrevem. b) Deverão as escolas de surf pagar a taxa anual estipulada, estando as escolas ou centros de treino de clubes isentas da mesma. c) Deverão as escolas de surf indicar quais os treinadores em atividade na mesma. d) Deverão as escolas de surf possuir registo atualizado da lista de colaboradores de entre os quais deverá ser indicado o responsável-geral da escola e o responsável técnico-pedagógico. Treinadores: a) Os treinadores em atividade nas escolas de surf deverão possuir Diploma de Treinador de Surf reconhecido pela Federação Portuguesa de Surf. b) Os treinadores em atividade nas escolas de surf deverão pagar a taxa anual de treinador estipulada. De acordo com a legislação desportiva em vigor, parece razoável que a F.P.S., regulamente e aplique regras, que vão ao encontro dos objetivos que delinearam para o crescimento da modalidade e os aplique nas escolas e centros de treinos agregados aos clubes, pois são estes que na generalidade fomentam o ensino e treino de atletas, que futuramente vão aparecer nas competições jovens e consequentemente alguns desses atletas seguem o caminho de uma carreira desportiva a nível profissional ou amador e podem até representar as seleções nacionais de surf internacionalmente. Quanto às Escolas de Surf Privadas, a maioria delas não se dedica ao ensino/treino de atletas, poderá haver no entanto uma percentagem muito pequena deste tipo de escolas que realize trabalho, que possa ir ao encontro dos objetivos da federação. Mas de acordo com a realidade, quase todas as escolas privadas, tem como objetivo o negócio e lucro, o seu público alvo, são na sua maioria os turistas, veraneantes ou pessoas que querem experimentar uma modalidade que está na “moda” e mutas vezes não lhe dão continuidade. Sem tirar o mérito e competência ao trabalho realizado por algumas destas escolas de surf, o seu produto final em nada contribui para os objetivos do crescimento do desporto federado, sendo este do maior interesse da respetiva federação. As escolas de surf privadas, trabalham na sua maioria numa ótica empresarial, como prestadores de serviços, vendem por exemplo, (alojamento + surf). Será de salientar também que é comum, estas desenvolverem a sua atividade num regime sazonal e na maioria dos casos não existe fidelização das pessoas ou clientes. Na verdade as ditas Escolas Privadas, estão quase todas agregadas ou englobadas em Empresas de Animação Turística, que fomentam o surf em pacotes de aulas ou aluguer de equipamentos, visando o comércio e o rendimento financeiro, situação normal para uma empresa, porque é das vendas que depende a sua sobrevivência. Será de realçar, que o aparecimento massivo das Escolas de Surf, surgiu na sequência do fenómeno da procura por parte da população de atividades físicas alternativas praticadas em harmonia com a natureza e com caráter de lazer. De forma a dar resposta a esta procura, criaram-se mecanismos de oferta, encontrando neste “produto desportivo” um potencial de negócio. Por outras palavras, podemos avaliar que face às necessidades do mercado, as escolas de surf, perceberam que a venda de um serviço desportivo seria uma ótima “janela de oportunidade” e posicionam-se para responder de forma empresarial, como prestadores de serviços desportivos. Há ainda a considerar, que existem algumas Escolas de Surf Agregadas a Clubes, que só o fazem por conveniência própria, talvez para serem isentos de pagamento ou redução de taxas à Federação. Porque de facto a sua área de intervenção é semelhante às escolas privadas. Na sua maioria, o trabalho que desenvolvem em nada contribui para o Clube a que estão agregadas e muito menos para o aumento do número de atletas do movimento associativo e federado. Relativamente a uma pesquisa realizada recentemente no “website” da Federação Portuguesa de Surf, os números dizem-nos que no ano corrente, existem 75 (setenta e cinco), escolas de surf inscritas na F.P.S., sendo que 34 (trinta e quatro) são Privadas e 41 (quarenta e uma) Agregadas a Clubes. O conjunto destas escolas, representam o universo de 91 (noventa e um) federados, a maioria destes são treinadores, apenas duas escolas agregadas a clubes apresenta um número razoável de federados, alguns destes devem ser alunos/atletas. De acordo com os Estatutos da Federação Portuguesa de Surf, e depois de ler os capítulos iniciais, dos quais vou transcrever alguns que considero importantes para enquadrar o assunto sobre o qual estou a opinar. Artigo 2º - Objeto O objeto da Federação é o seguinte: a) Promover, regulamentar e dirigir a prática desportiva do surf, nomeadamente nas modalidades de Surf, Bodyboard, Bodysurfing, Longboard, Skimboard, Skate, Kneeboard e Tow-in/out em Portugal. b) Agrupar todas as pessoas físicas e coletivas sem fins lucrativos de alguma forma interessadas na promoção deste desporto, com vista a uma direção para a prática correta do mesmo. c) Representar os interesses da Federação, dos seus sócios e do Surf em geral, perante as autoridades políticas e desportivas, nacionais e internacionais Artigo 3º - Requisitos São os seguintes os requisitos necessários para ser sócio coletivo desta Federação: a) Manifestar a vontade de se inscrever na Federação. b) Aceitar os estatutos em vigor, bem como os regulamentos, as determinações dos orgãos por eles estabelecidos. c) Pagar pontualmente a quotização anual que a Assembleia-geral estabeleça. d) Os Sócios coletivos devem provar um interesse legítimo na promoção das modalidades desta Federação. Artigo 4º - Associados 1 - A Federação Portuguesa de Surf é composta por três categorias de sócios: - Sócios Coletivos - Sócios Honorários - Sócios de Clubes 2 - São sócios coletivos todas as pessoas coletivas com fins desportivos e com sede em território nacional que se inscrevem na federação, nos termos referidos no número anterior. 3 - São sócios honorários os indivíduos ou coletividades que a Assembleia-geral da Federação estime merecedores desta distinção pelos serviços relevantes prestados ao Surf, ficando isentos do pagamento de quotas. 4 - São sócios de clubes todas as pessoas físicas que sejam inscritas na Federação Portuguesa de Surf através de clubes, pagando para tal, a quotização anual estabelecida pela Direção e cumprindo com os demais requisitos exigidos pelos estatutos e regulamentos internos. Após a leitura que fiz dos Estatutos da F.P.S., tenho muita dificuldade em enquadrar as Escolas de Surf Privadas, na dinâmica associativa e desportiva. Não consigo perceber qual a figura adotada para a inserção e aceitação das escolas privadas, cuja nomenclatura mais ajustada seria Empresas Prestadoras de Serviços Desportivos, no seio da federação. Quero deixar bem claro, que nada tenho contra as Escolas de Surf Privadas, considero que algumas delas, desenvolvem um bom trabalho e contribuem para o desenvolvimento da economia local, tem contributo para a criação de postos de trabalho e representam um volume de negócio considerável, tudo isto é de louvar e valorizar. Considero que se fossem criados novos instrumentos legais, para enquadrar estas empresas que prestam serviços desportivos e que tem como vértice do seu negócio a venda de aulas de surf, aluguer de equipamento, transporte, etc, seria bastante útil a fim de encaixarem as suas atividades no setor correto E como estamos a falar de empresas que visam o lucro, não podem nem devem de maneira alguma estar englobadas no movimento associativo desportivo, pois este tem objetivos opostos, designadamente, a nível social, educativo e formativo, com as devidas exceções no que diz respeito ao desporto profissional (disciplinado por legislação própria, das Sociedades Desportivas e Ligas Profissionais). É verdade que uma Empresa de Animação Turística ou Desportiva, poderá dinamizar desporto, mas nunca poderá ser colocado em igualdade com um clube ou associação desportiva, porque o âmbito e objectivos de ambos são antagónicos. É urgente separar a atividade comercial, da associativa, desta forma temos de considerar que atualmente existem empresas de desporto, nas quais estão inseridas todas as que vendem serviços desportivos. Sendo estas, organizações de direito privado, não podemos contudo ignorá-las, porque elas tem influência no desenvolvimento e na concorrência que induzem no sistema desportivo. Como estamos a falar de empresas e mercado desportivo, admitimos que o desporto é vendável e que podemos retirar dele proveitos e vantagens. Mas nunca podemos esquecer que para o desporto ser vendável, tem que ter uma imagem atrativa e isso nem sempre acontece, pois há ocorrências nas Escolas de Surf, que prejudicam grandemente o negócio e afastam potenciais clientes, que são necessários para a viabilização dessas empresas. Esta opinião que tem o valor que lhe atribuírem, mas não tem como objetivo tecer críticas a quem desenvolve a sua atividade profissional na área do surf, mas sim alertar para a criação de melhores condições para que os negócios das empresas com escolas de surf possam evoluir e consequentemente reduzir as burocracias e polémicas em que estão envolvidas. Temos de compreender de uma vez por todas, que não é salutar a concorrência que muitas vezes existe entre o mundo empresarial e o associativo. Para terminar, coloco uma questão á consideração geral, que é a seguinte: Será que uma Empresa de Animação Turística, legalmente constituída, com inscrição no RNAAT, Registo Nacional de Agentes de Animação Turística, que tenha nos seus quadros, profissionais, com Habilitações Superiores em Desporto, cujo Currículo Académico, contenha uma Unidade Curricular de SURF, Desportos Aquáticos ou Náuticos, poderá dinamizar ou vender o produto surf, sem recorrer ao reconhecimento da Federação Portuguesa de Surf? O verão está quase aí, e vai trazer com toda a certeza muito trabalho para as escolas de surf, é este o meu desejo.
2 Comentários
tommyt
30/3/2012 06:59:36
Sr Henriques.
Responder
18/5/2013 13:02:33
Muito bem escrito este artigo. Em outubro deste ano a nossa associacao (ASMAA - Algarve Surf and Marine Activities Association) fez as mesmas perguntas a Capitania do Porto de Lagos, mas muita gente nao gostou dos nossos comentarios.
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