onde o deslumbramento, mediatismo e aproveitamento económico são quem mais ordena.
Ouvi o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Peniche, em entrevista à RTP, num directo a partir dos Supertubos, durante a recente etapa do WT, dizer que relativamente à Papoa, pretende popularizar o local, para que possa receber no futuro, eventos de ondas grandes, como o Big Wave Tour. Não queria acreditar no que estava a ouvir, fiquei irritado, mas mais que irritado, fiquei sinceramente desiludido. A questão da Papoa não se coloca apenas ao nível da qualidade das suas ondas, que eu acho que não é significativa, nem no desperdício que será investir num evento, que a acontecer, não trará um acréscimo de mais nada áquilo que já temos actualmente, pois não esqueçamos que passa por cá, uma etapa do maior e melhor circuito de surf do mundo, comportando ainda questões ao nível ambiental, bem como de preservação histórica e arqueológica que podem sair seriamente danificadas com este tipo de mediatização. O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Peniche tem que ter presente que quando intenta iniciativas deste género, que não é Presidente nem da Câmara de Sintra, e muito menos do Brasil, ou Governador do Havai, é apenas e só, Presidente da Câmara Municipal de Peniche, e como tal, são os surfistas de Peniche os seus eleitores, e não os outros, e são estes, os de Peniche, que esperam ver também satisfeitas algumas das suas pretensões, e não apenas os outros. Há pouco tempo a propósito de um outro assunto, o meu melhor amigo e companheiro de muitas aventuras no meio do surf e não só, crítico relativamente a algumas das minhas opiniões, solidário com muitas outras, são assim os verdadeiros amigos, dizia-me: epa, ò Zé, tens de perceber que há quem não tenha cultura de surf como nós temos, não podes reagir assim. Fiquei a pensar nisto, e há aqui realmente um problema, é que quem toma decisões importantes com base no surf, nunca fez surf, e por esse simples facto, não tem cultura de surf. Quer queiramos, quer não, isso nota-se. Já diz o povo, que quando se junta a fome com a vontade de comer, é um problema, e neste caso, ao apetite mediático de uns, juntou-se a vontade por parte de outros, legitima, diga-se, de aplicar um modelo já utilizado a uns quilómetros daqui, que os tendo deixado de fora lá, viram por aqui, uma boa oportunidade de também eles terem direito ao seu quinhão. A mediatização desta zona, e outras, por via da proximidade, encerram em si questões ao nível da cultura de surf, nomeadamente o resguarda-las, de modo a preservar alguma satisfação da comunidade surfista local, o que também é importante, não se julgue que não, apesar de haver quem ache o contrário. Lembro-me de fazer surf com alguns amigos nos Supertubos, no Molhe Leste, no Lagido, que hoje, com quarenta anos de surf deixaram de frequentar esses lugares. Ainda vou fazendo surf com eles, nomeadamente nestas zonas, refugiados, onde ainda podemos praticar o desporto que tanto gostamos, desfrutando da verdadeira essência do mesmo, vivenciando a sua cultura, partilhando ainda aquilo que nos levou pela primeira vez, contra tudo e todos, a enveredar por algo que na altura não era tão “in” como agora. Há uns dias estive a surfar na Papoa. Eu e mais um amigo, só nós, foram duas horitas, as ondas nem estavam grande coisa, mas divertimo-nos, falámos essencialmente de surf e ondas. Ao escrever este texto lembrei-me de algo engraçado, este meu amigo estava presente quando há trinta anos surfei pela primeira vez na Papoa. Ele, mais velho do que eu, já surfava há uns anos quando eu comecei, fiz muitas e boas surfadas com ele ao longo dos anos, em vários lugares, aprendi muito com ele, hoje praticamente só surfamos juntos ali, por aquelas zonas, locais que o Sr. Presidente quer encher de gente. Esta ganância mediática, não é compatível com uma parte importante do surf em Peniche, que também merece o seu espaço, e que por isso ainda guarda a chave do cadeado, apesar da chave da porta ter já sido oferecida.
7 Comentários
mario
8/11/2014 10:37:02
Vivi alguns anos em Peniche onde estudei, trabalhei e disfrutei das condições de surf únicas proporcionadas. Foram muito bons tempos!
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José Miguel Nunes
10/11/2014 03:03:01
Caro Mário Ferreira
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Manuel Almeida
4/12/2014 12:47:58
Penso que o melhor seria leiloar as entradas no mar. Quem tivesse mais dinheiro, entrava. Deixava-se uma percentagem dos bilhetes para combates de vida ou morte, ao estilo gladiadores, e quem tivesse «mais braço e pulmão», matava o oponente e entrava na água, cheio de glória. Em cima de cada duna deve haver um "surf camp." Holofotes devem ser instalados para que o surf se possa realizar 24 horas por dia 7 dias por semana, todo o ano. Raparigas da Prageira e dos Esganados, em bikini, devem andar a nadar ao lado dos surfistas, enquanto vendem time-share, gelados e viagens de barco pela costa. Em cada rotunda deve haver um oudoor gigante do presidente, com animação e som, a dizer "CAPITAL DA ONDA... CAPITAL DA ONDA...". Várias pistas de aviação devem ser construídas o mais junto à linha da maré, de modo a que os charters cheguem carregados de turistas. Deve-se contratar um surfista chinês, aliás, para atrair os endinheirados chineses. Sócios, não me interrompam que estou cheio de coca. Torres de aprtamentos e discotecas porta sim porta sim, com gigolos penichenses, devem estar à disposição dos camones e das camonas. A população nativa deve ser esterilizada e exilada nos Farilhões. As excusrsões de barco poderão passar por lá e atirar cascas de laranja aos esfomeados, que incluirão surfistas maiores de 40 anos, já sem braço e sem pulmão. isto é que é o progresso! Isto é bater punho! A médio prazo, instalar-se-ão aparelhos respiratórios nos turistas, que devem ser abastecidos com 5 euros a cada hora, cob pena de bloquearem e de eles morrerem asfixiados. O «pugresso» e o empreendedorismo são o futuro do surf. Viva a eugenia!
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Rui Vala
4/12/2014 14:47:45
Irónico e sagaz!!!! Muito bem Manuel Almeida.
Rui Vala
8/11/2014 14:00:43
Zé, tocaste no ponto fulcral: o surf não é só agarrar ondas nos sítios de que se fala. Como muito bem dizes, é uma cultura, uma mística. A qualidade do que nos rodeia também passa pela sua preservação. Temos todos que reflectir nisto e perceber que se o mediatismo e o economicismo justificam tudo. Obviamente, não.
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Marqy
8/11/2014 21:18:03
Muito bem Zé! Como sempre ilustras e defendes de forma exímia o surf nacional e local. Ainda ficou por contar aquela tal história da Papôa de que te falei. Talvez numa próxima edição. Grande abraço e bons textos
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Roger
3/12/2014 17:50:09
Pois, concordo, mas neste caso há que dizer frontalmente sem receios ao presidente aquilo que se pensa, visto que ele não sabe absolutamente NADA daquilo que está a fazer. E o pior é a malta que por conveniência não diz nada, nem é capaz de dizer que "o rei vai nu" . Toda esta actividade de promover Peniche a capital da onda, e esta forma de turismo, é uma estupidez imunda, que deixa marcas negativas, como já aconteceu e de forma irreversível noutros lugares do planeta. Há que dizer frontalmente a toda gente e ao presidente aquilo que é correcto, sem estar à espera que o outro dê o exemplo. E esta forma de ser, terá de ser geral, coisa que não estou a ver a acontecer, dado a falta de coesão no seio desta comunidade, e a falta de neurónios para constatar aquilo que está a acontecer, e o pior que virá; esses factores jogam a favor principalmente de empresas externas e pessoas externas, que adoram essa lacuna, para retraçar a zona e extorquir o máximo possível, pondo em causa uma sustentabilidade de turismo equilibrado, para dar lugar a uma certo tipo de "las vegas" que é o sonho de qualquer atrasado mental vazio e sem carisma. Claro que isto entre outras coisas também quer dizer: quem tudo quer tudo perde. É importante dizer ao presidente que ele não irá ficar lembrado por o gajo que fez "a maior obra", mas o gajo que fodeu isto tudo. A propósito, já lhe enviei um e-mail com o este comentário.
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