Escrito por: Lisa Marques Após vermos o Lago Titicaca Peruano e Boliviano, partimos rumo a La Paz, a cerca de 4h de caminho. A travessia de barco pelo estreito de Tiquina é obrigatória para todos os que querem seguir rota para Sul de uma forma mais directa. Assim, tripulação e meios de transporte têm que apanhar um “ferry” até à outra margem, e daí directos à sede do governo boliviano, La Paz. A entrada na cidade foi bastante difícil. As obras na estrada durante quilómetros obrigaram o nosso condutor a inúmeros desvios por terra batida, atrasando-nos a chegada em umas 3 horas. La Paz fica num vale, rodeada pelas cordilheiras andinas, e por isso as temperaturas oscilam bastante. À hora que chegámos, já de noite, a temperatura era bastante fria, e a chuva gelada. E assim se manteve durante toda a nossa estadia. Á primeira vista parece uma cidade em construção. Os edifícios apenas em tijolo fazem com que as panorâmicas da cidade ganhem um tom laranja esmorecido. A minha primeira ambição na Bolívia, era visitar Tiwanako, local arqueológico pré-colombiano consagrado como património da Humanidade pela UNESCO. Estendia-se desde o Sul do lago Titikaka ao Norte do Chile, e durou de 400 ac a 900 dc. Para isso marcamos um “tour”, e no dia seguinte o nosso guia apanhou-nos no hostel. No complexo de Tiwanaco, para além da pirâmide de Akapana, podemos visitar o templo de Kalasasaya, e ainda Putuni, Kerikala e Kantatalitta. Ainda os monólitos, sendo o maior (Bennett ou Pachamama (Mãe Terra)) com 7 metros de altura, e 20 toneladas, e a Porta do Sol com os seus baixos-relevos que representam o deus supremo Viracocha. Lendas referem que após sair da ilha do Sol, Viracocha foi para Tiwanaku, onde esculpiu todas as raças humanas que queria criar. A verdade é que num dos templos subterrâneos deste local arqueológico, aparecem 175 cabeças distintas, onde duas parecem ser alienígenas (!). A porta do Sol, um dos ex-libris do sítio arqueológico, representa um calendário, não integralmente decifrado, mas dividido em 45 semanas, onde os três mundos de Viracocha, e os seus 3 totans aparecem representados. O mundo dos deuses, representado pelo Condor, o mundo dos homens, representado pelo Puma, e o mundo inferior, representado pela Serpente. Acreditavam que esta trilogia mantinha contactos com os diferentes mundos. O Condor por ser a única ave a voar até aos 7mil metros, e falar com os deuses, o Puma por representar a força e capacidade humana em todo o seu esplendor, e a Serpente, por viver na terra, e estabelecer contacto com os defuntos. São ainda a base de toda a iconografia andina. Em Puma Punku, a um par de quilómetros do restante complexo, as dúvidas assolam os arqueólogos e historiadores, e incentivam os crentes em seres extraterrestres como mestres e transmissores de conhecimentos ancestrais, e edificadores de estruturas na antiguidade. Por um lado os ângulos rectos, os blocos em “H”, produzidos em massa para que se encaixassem perfeitamente, as inscrições perfeitas na pedra, as formas cilíndricas que atravessam rigorosamente os blocos de pedra de um lado ao outro. Aqui não posso acreditar em fricções de pedras, lixas de areia, e troncos rolantes, para mim parecem haver mil evidências de alta tecnologia, e sem explicações plausíveis… (Mas já sabem, eu curto ET´s!) Para viajarmos para Oruro no dia seguinte, a 12h de viagem para Sudoeste a partir de La Paz, regressamos ao terminal e compramos o bilhete. Acabamos por perguntar ao agente turístico onde podíamos comer a melhor pizza de La Paz. Estávamos esfomeadas, e a comida de mochileiro já não satisfazia. A melhor pizza de La Paz, na praça central S. Francisco, na Pizzaria Elly´s, apresenta-se como “The best New York Pizza”, hilariante! Mas estava realmente divinal. “A fome é o melhor tempero” diria a minha avó. Entretanto a Katy, uma rapariga peruana a viajar sozinha por um par de dias, juntou-se também ao grupo. Somos agora 4! A viagem para Oruro revelou-se um pesadelo. Talvez um dos piores momentos da minha vida. A diferença entre transportes públicos peruanos e bolivianos é abismal. Escolhemos a travessia nocturna, porque para além de pouparmos uma noite num Hostel, aproveitamos o dia para visitar algum sítio, e estarmos cansadas para dormir no autocarro. Mas neste dia os planos saíram furados, e a noite em “andamento” revelou-se uma tormenta. O cheiro a urina inebriou-nos o espirito assim que pusemos o primeiro pé no autocarro, e tivemos a certeza que seria uma noite bastante longa. Deitei para o lado o cobertor da companhia e abri o meu saco de cama. Enrolei o lenço à volta do nariz e boca, e liguei o pc. Dois filmes de seguida, bons por sinal, e três horas gastas. “E agora?” pensei. Por esta altura comecei a sentir um desconforto imenso, e a bexiga a dar sinal de alerta. Os restantes passageiros pareciam estar a dormir, e eu interrogava-me como. “Não quero estar aqui! Não quero estar aqui! Não quero estar aqui! Não quero estar aqui! ….” Reconheci a primeira crise da viagem, e levantei a voz interior, com psicologias baratas: “Se ficas mais inquieta, será mais difícil, relaxa, que é uma situação temporária!”, “Mas como posso ficar tranquila, com a bexiga cheia e a certeza que vou ter que cambalear em todas as paredes imundas daquele cubículo fedorento para fazer xixi?” Não sabia eu por esta altura, que neste desafio ainda teria que segurar o telemóvel em lanterna na boca, porque o wc não tinha luz. Escrevi uma carta de desconforto para libertar os pensamentos, mandar o mundo à merda, e dizer que queria ter pila para mijar numa garrafa! Acabou por surtir efeito e lá fechei os olhos durante um par de horas. Felizmente o autocarro chegou às 4 da manhã ao invés de chegar às 6. Por ser uma situação regular, a dona de uma cafeteria nas redondezas vai receber os turistas a essa hora, ainda noite fria, convidando-os a acompanha-la ao café. Não havendo nenhuma outra opção, os recém-chegados acabam por passar umas horas confortáveis a consumir no café. Eu, solicitei uma das camas do quarto dos fundos para descansar as 4 horas restantes antes de amanhecer, e poder desfrutar do dia seguinte. Negócio feito! Acredito que o mundo é de balanços e contra-balanços, e depois de uma das noites mais longas da minha vida, um dos dias mais deslumbrantes, senão o mais deslumbrante de todos! Compramos um “tour” logo pela manhã, que nos levava ao maior deserto de sal do mundo, entre outras paragens para “encher chouriço” que na verdade não eram necessárias, porque o Salar de Uyuni é idílico! Uma sensação de pura tranquilidade encheu-me a alma, e fez-me levitar. As catástrofes naturais e tremores de terra fizeram o lago de há 40 mil anos secar, deixando-o coberto com manto branco de sal. Fomos afortunados com chuva pela manhã, e o deserto transformou-se num espelho gigante. A luz ténue, nublada, camuflava o horizonte, e tudo parecia o céu! Era impossível reconhecer-lhe a finitude, o efeito espelho criava uma ilusão óptica inimaginável. Tudo era infinito. Foi verdadeiramente emocionante! Por estes dias na Bolívia, as reivindicações civis faziam-se ouvir como podiam, os acessos estavam cortados, e os transportes públicos não trabalhavam. Ficámos retidas em Oruru durante 2 dias, até decidirmos cancelar os planos de viajar para Sucre, a sul, e decidimos sair o quanto antes. Estávamos com receio que a situação se agravasse e dificultasse a saída da Bolívia, e acabámos por nos aventurar num autocarro não “oficial” que garantia a entrada em La Paz, uma vez que os restantes não iam sair do terminal. Sabíamos que podia não ser tão fácil assim, mas ficarmos retidas num vilarejo que nada mais tinha para oferecer já não era opção. Avançámos mesmo sabendo do risco de podermos ficar a meio caminho. Felizmente o trajecto foi quase perfeito, e apenas fomos impedidos de prosseguir caminho já à entrada de La Paz, a 5km do centro, onde dezenas de camiões e carrinhas estavam estacionados no meio da estrada. Pegámos nas mochilas e andamos alguns quilómetros até encontrarmos autocarros improvisados que faziam o trajecto possível até aos teleféricos, e daí descemos até á cidade. Uff, mais uma etapa cumprida! O dia foi passado na zona comercial perto da praça S. Francisco, a ver o artesanato local e andino, que é todo similar, pela cultura comum. Sou completamente apaixonada pelos geométricos de cores vivas, nas roupas, malas e tapeçarias, que se vende como estilo “Bohemian/Indy” na Europa. A Maria, uma senhora espanhola que conhecemos em Lima, estava também em La Paz. E antes de partir para o Chile, mostrou-nos um bar escondido, num edifício colonial, repleto de objectos antigos. Senti-me um Indiana Jones acabado de descobrir um tesouro! Apesar do bar ter apenas 17 anos, os objectos eram centenários. Parecia um antiquário. Ainda nessa tarde lanchámos no mercado, sempre a melhor opção em termos de qualidade preço, com pratos exagerados em sabor e quantidade. Os sumos naturais feitos com fruta tropical e as típicas “salteñas”, empadas de carne, queijo ou vegetais são bem vindos a qualquer hora! Parámos para vermos um “live act” de carnaval na praça central, e continuámos caminho.
A Amélia diz-me que tenho a bolsa da mochila aberta, e reparei que me tinham roubado a carteira em segundos, sem que tivesse dado conta. As restantes horas do dia foram passadas na polícia, e a cancelar cartões. Felizmente o passaporte, fotocópias de todos os documentos importantes e outro cartão multibanco estavam guardados noutro local, para estas eventuais circunstâncias. Fui obrigada a respirar fundo e a aceitar o que tinha acontecido, porque na verdade podia ter sido bastante pior se não me tivesse precavido ao planear a viagem. A saída de La Paz no dia seguinte foi igualmente difícil, e após várias tentativas com diferentes agências, conseguimos embarcar até Copacabana, e daí para Cusco. Sabíamos que uma vez no Peru, tudo voltaria a ser mais fácil e seguro. Os contratempos e dificuldades que sentimos na Bolívia deixaram-nos saudades do Peru, e ansiamos o regresso que será em grande, Machu Picchu! Até já!
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