UM DELES TINHA UMA PRANCHA DO PAI, QUE ERA USADA POR TODOS: CINCO MINUTOS OU TRÊS ONDAS A CADA UM Isto começou com fatos de surf emprestados, uma prancha para sete ou oito putos. Na altura, andar ali assim metido com as ondas era considerado um ato subversivo. Depois vieram os estrangeiros com as técnicas e sabe-se lá mais o quê - mudou tudo. O Expresso continua a observar diariamente o circuito mundial de surf. Em Peniche. Porque Raul Brandão, que conhecia os mistérios da cidade, disse ou escreveu e seguramente pensou que "existe uma certa grandeza em repetir todos os dias a mesma coisa". Era uma vez um anúncio de "aftershave" com a "onda de sonho" que deu a sete ou oito putos uma vontade imensa de se porem em cima de uma prancha. Mas como é que isso se fazia, se não havia internet e revistas de surf em Portugal (as que havia eram enviadas pelo correio do Brasil e dos Estados Unidos mais de meio ano depois de saírem) para lhes mostrar? Alguém tinha de lhes ensinar. E foram os surfistas estrangeiros, que no inverno chegavam a Peniche - sim, é como imaginamos, ao volante das míticas pão-de-forma - que o fizeram. Ensinaram-lhes que não bastava subir à prancha a pés juntos e jurar a pés juntos não cair - porque iam acabar por cair -, que havia uma posição e mais delicadeza em estar lá cima, que havia diferentes tipos de pranchas e a cada onda a sua prancha, e a todas as pranchas, assim como aos restantes materiais, o devido tratamento, a chamada manutenção. "Em Portugal ninguém sabia estas coisas, éramos todos autodidatas", conta Jorge, que era um dos putos.
Aprenderam, fizeram-se ao mar, aprenderam, fizeram-se ao mar. Usavam fato emprestado - porque na altura não havia lojas de surf e material à venda - e prancha emprestada. Um deles tinha uma prancha do pai, que era usada por todos: cinco minutos ou três ondas a cada um. No mar respeita-se. Depois começaram a comprar aos surfistas estrangeiros, que iam embora e deixavam-nas cá, a preço bom. Na altura, andar ali assim metido com as ondas era considerado um ato subversivo. No dia em que o surf esteve do lado desses que não vão muito à bola com as regras, Jorge fez-se ao mar e alguém lhe disse que aquilo era para "quem não queria fazer nada da vida, não queria trabalhar, não queria estudar". Era para a "malta da droga". Agora não, agora o surf já é uma coisa "séria", diz, que é como quem diz - uma profissão - e os miúdos já não vêm pela diversão, diz também Jorge, mas para terem reconhecimento profissional e participar em campeonatos (o Kelly Slater recebeu cá em Peniche um prémio simbólico do presidente da Câmara por, entre outras razões, ser um modelo para as gerações mais jovens). Velhos tempos esses em que o "deslizar na onda" era bem bom. Agora é mais "o andar no ar, os 'aerials' e o surf mais espetacular". Jorge é Jorge Cação. É surfista desde os 14 anos, tem agora 46. "É dos antigos", dizem quando se lhe referem. Ou: "é dos pioneiros". Ele diz que é de uma terceira geração de surfistas de Peniche. Na primeira eram quatro, cinco, na segunda dez ou doze e na dele sete ou oito putos que viram o anúncio da "onda de sonho" e a partir daí não quiseram outra coisa senão subir a uma prancha. Jorge, que é Jorge Cação, não competiu em campeonatos de surf, a não ser os da zona, semiprofissionais, numa fase mais evoluída do surf em Portugal. Considera-se, portanto, um "outsider". O surf foi sempre um "hobby". Mais a sério levou outras modalidades, como o badminton. Ele é selecionador nacional da Federação Portuguesa de Badminton. Conversamos com a onda de Supertubos aos pés. Jorge conta que foi ali que se pôs pela primeira vez dentro de água a remar com uma prancha e a primeira vez que se pôs em pé e ao fim de tanto tempo continua a ser ali que faz as melhores ondas. Fonte/Autor: Jornal Expresso / Helena Bento
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Julho 2016
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