Fui assistir no passado dia 26 de Junho, ao DN MAR 2013 – DESPORTO, uma iniciativa do Diário de Notícias, que promoveu um debate em torno do surf. Quanto ao teor das intervenções, fiquei um pouco baralhado, pois a determinada altura já não conseguia perceber se estávamos a ouvir um debate sobre a vertente turística do surf, ou se sobre a vertente desportiva do surf, é que são coisas diferentes e bastante distintas, com “targets” diferentes e políticas de investimento necessariamente diferentes. Tirando as intervenções da praxe do não há dinheiro por parte de uns, e o de tem de haver pela parte de outros, houve algo que ficou bem explicito, e que mereceu a concordância geral, a internacionalização é fundamental para potenciar o surf tanto na vertente desportiva como na vertente turística, mas isto é algo que já nós todos sabemos, não foi assim grande novidade, eu estava era à espera que dissessem como, e isso não aconteceu, aliás, o Sr. Secretário de Estado disse o seguinte: “a rede de CAR’s (Centros de Alto Rendimento) tem que ser optimizada dentro do quadro de apoio para a internacionalização”… fiquei na mesma… aliás eu por norma fico sempre na mesma quando algum político fala, mas isso deve ser um problema meu. Mas já que falamos em CAR, vamos lá então dizer as coisas de modo simples, que é normalmente aquilo que os “experts” não fazem, e se forem políticos pior, arranjam sempre maneira de explicar as coisas de forma tão complicada que ninguém percebe do que estão a falar, pelo menos comigo acontece. O problema dos CAR, e refiro-me especificamente ao de Peniche (aproveito para relembrar que fui e sou um acérrimo defensor desta estrutura em Peniche), é que se arranjou dinheiro nalgum quadro comunitário de apoio, e tomem lá para fazerem a casa, e fez-se, gastou-se cerca de um milhão e meio de euros, coisa pouca. E agora, a casa está feita e ninguém sabe como pôr aquilo a funcionar. E porquê? Simplesmente porque ninguém fez antes, um plano de gestão para ver como é que a coisa ia funcionar depois da obra feita, onde se estimassem despesas fixas e variáveis, planos de manutenção, quais as valências a implementar, os equipamentos necessários, os recursos humanos especializados e não especializados para as executar e potenciar, base de dados de potenciais utilizadores, preços de utilização, meios de promoção, etc, etc, etc. Nada disto foi feito, e o resultado é o “estaminé” estar inaugurado e fechado desde Outubro de 2012, tendo servido para um estágio, duas ou três reuniões e pouco mais nestes nove meses de existência. Este é que é o real problema. Para arranjarem um milhão e meio de euros para fazer a casa foram uns espertos, agora para arranjar maneira de pagar salários e colocar pessoas a trabalhar lá de modo a que o investimento possa ser rentável já é um problema, e não há dinheiro, e a crise assim e a “troika” assado. O problema é que a casa inaugura-se, mas os postos de trabalho não. Agora aí está mais um plano brilhante de internacionalização. Internacionalizar o quê? O CAR está fechado, não há nada para internacionalizar, dêem trabalho às pessoas e ponham aquilo a funcionar, sejam responsáveis por criação de trabalho efectivo, exijam responsabilidade e dêem responsabilidade a quem quer que vá para lá trabalhar, que a internacionalização vem por acréscimo e naturalmente. O CAR não é um Hostel nem um SurfCamp, e se continuarmos a pensar que o melhor que aquele espaço tem, são os beliches em quartos com fotografias de surf na parede para a malta dormir, então o resultado não será com toda a certeza positivo. O CAR tem potencial de rentabilidade, mas para isso tem que estar aberto e a funcionar, com as valências próprias de um centro de alto rendimento, porque fechado como está, só dá é despesa, e cada vez mais. O Sr. Presidente da Câmara disse a este respeito: “o município vai liderar sempre o processo do CAR”, concordo plenamente, e espero que assim seja, mas que o comece a fazer efectivamente e o mais rápido possível. O “enfant terrible” João Capucho, meteu mais uma vez o dedo na ferida, aliás como é seu apanágio em qualquer debate onde participa (João, qualquer dia deixas de ser convidado para estas coisas), e numa palavra resumiu o que falta no surf português (e não só): organização. A burocracia é enorme, existem uma série de instituições com poder de decisão sobre as várias áreas onde o surf se movimenta, que não estão minimamente coordenadas. É uma confusão de licenças e autorizações, que ninguém sabe muito bem onde começa e acaba a autoridade de cada um. Como sugeriu o João Capucho, um SIMPLEX para o surf é uma excelente ideia. Mas, não facilitemos, é urgente legislar especificamente em função do surf para que isto funcione, e não é com medidas isoladas de desburocratização que lá vamos, correndo o risco de com isso, baixar os níveis de qualidade que todos achamos que a oferta no surf tem de ter. Os “surfcamps” e “surfschools” a nascerem como cogumelos por todo o lado são um bom exemplo disto mesmo. O surf em Portugal está ainda muito longe da mais-valia que pode ser para o País, mas para que o seja, temos de evitar a todo o custo vender a “alma ao diabo”, e não cairmos nesta onda economicista de que vale tudo para ganhar dinheiro, e quanto mais depressa melhor. José Farinha apelidou Portugal de Califórnia da Europa, conceito correto na questão da qualidade e diversidade de ondas, bem como ao nível do clima. A questão da tradição de praias privadas, existente na Califórnia, que nós não temos (espero que nunca venhamos a ter), e neste sentido não posso entender o surf como um espectáculo privado, o João Capucho que me perdoe, mas aqui não posso concordar com ele, quando fala em cobrar bilhetes para ir à praia ver um campeonato de surf. No dia em que isso acontecer o surf perde grande parte do seu encanto, da sua vivência, e da sua diferença, o que potenciará o decréscimo motivacional para o consumo de produtos associados. Um miúdo, por exemplo, gosta de roupa “à surfista”, não só por ser bonita, pois também existem roupas bonitas noutros segmentos, ele gosta da roupa “à surfista” porque implicitamente esta está associada a conceitos como liberdade, rebeldia e irreverência, pois é isso que o surf na sua essência é, livre, rebelde e irreverente. A praia é a praia, onde todos nós, surfistas, nos misturamos sem qualquer tipo de barreiras, ali na praia somos todos só uma coisa, surfistas, livres, rebeldes, irreverentes, nada mais. O surf tem um “lifestyle” associado que tem que ser preservado, e se isso se perder, na minha opinião, perder-se-à tudo o resto. Falou-se de sustentabilidade neste debate, mas a sustentabilidade, para além da componente económica e ambiental tem ainda outro pilar, o social, e este é frequentemente esquecido pelos “experts” que definem o rumo a tomar nesta área, e mais, nesta componente social, as populações locais são um item fundamental. É importante medir os níveis de satisfação de todos os elementos desta trilogia, e não apenas o económico, para assim podermos de modo não massificado explorar este segmento, potenciando o seu desenvolvimento sustentável. No meu ponto de vista qualidade em detrimento de quantidade. Apenas duas notas para terminar, primeiro, considerei uma enorme deselegância, para não lhe chamar arrogância, o facto de não terem aberto uma janela de tempo à intervenção do público, segundo, foi pena não haver ninguém na mesa especialista em turismo, estávamos na Escola Superior de TURISMO e Tecnologia do Mar, não teria sido difícil.
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