Os negócios associados ao surf serão neste momento, possivelmente, dos poucos em contraciclo nesta crise que nos assola. Principalmente no que concerne aos ditos “SurfCamp’s & SurfScholl’s”, que têm desabrochado como cogumelos em todo o território nacional. Ditos porque, podemos discutir o conceito associado a “SurfCamp”, cada um tem a seu, embora neste momento não seja a questão fulcral. Só mais um parêntesis,para dizer que o ter um “SurfCamp” não é sinónimo de ter uma “SurfScholl”, ou vice-versa, até porque a legislação aplicável a estes dois segmentos de negócio não é obviamente a mesma. Tendo sido o surf identificado pelo Governo como um dos sectores fulcrais para o desenvolvimento turístico do país, reconhecendo a mais-valia desta actividade com apoios até à data nunca vistos, nomeadamente através do Turismo de Portugal, nas diversas competições de nível internacional que por cá se realizam, principalmente a prova do “World Tour” que ocorre em Peniche desde 2009, assim como através da Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude na rede de Centros de Alto Rendimento (CAR) para a modalidade, é completamente inaceitável que ainda não se tenha legislado especificamente para esta actividade. Esta lacuna na legislação, a continuar, acabará por ser contraproducente relativamente ao que se pretende em termos de retorno, tanto turístico como desportivo, pois na falta de uma linha orientadora para as diversas actividades que têm o surf como base de negócio, estas tendem a entrar em colisão com outras actividades que deambulam na mesma área de acção, o que provocará inevitavelmente crispações desnecessárias. Existem uma série de questões que,ao não serem devidamente legisladas, prejudicam aqueles que têm neste momento o seu negócio a funcionar, com a legalidade possível, tentando cumprir os diversos regulamentos (e que confusão de regulamentos) o melhor possível e, em contrapartida, defendem aqueles que contornam as leis e aproveitam este vazio legislativo, que concorrendo no mesmo mercado de forma desleal, contribuem de forma decisiva para descredibilizar uma actividade que tem um potencial enorme no espectro turístico nacional.Basicamente, tentou-se enquadrar este novo segmento de negócio em legislação já existente, mas que,na minha opinião, é completamente desajustada da realidade, senão vejamos: em termos de legislação, e pelo que pudemos aferir, os “SurfCamps” estão abrangidos pela legislação de alojamento local, quer isto dizer, em termos muito básicos, que ter um “SurfCamp”, uma vivenda ou um vulgar “chambre” para alugar é a mesma coisa (Portaria n.º 517/2008, D.R. n.º 121, Série I de 2008-06-25), onde o registo deste tipo de estabelecimentos é feito através de requerimento à Câmara Municipal, sendo este, após carimbo da Câmara, título válido para a abertura. Quanto às escolas de surf, a questão é ainda mais complicada. Em primeiro lugar, esta actividade enquadra-se no âmbito legislativo das empresas de animação turística, dependendo de licença, constante de alvará, a conceder pela Direcção-Geral do Turismo (Decreto-Lei nº 204/2000 de 1 de Setembro de 2000). No entanto a actividade é desenvolvida na praia, e aí terá que estar sob a alçada do POOC (Plano de Ordenamento da Orla Costeira), que é completamente omisso relativamente a esta matéria, excepção feita à obrigatoriedade de existirem canais definidos para a prática deste desporto (artigo 67º, a). Então quais as zonas de praia em que as escolas de surf podem desenvolver a sua actividade, pergunto. Isto não está definido. Pelo grande número de escolas que neste momento se deslocam com os seus grupos para a praia e que colocam os seus alunos na água em zonas onde existem banhistas, criando algum desconforto nos mesmos, até mesmo por questões de segurança, ou então em zonas de free surf, muitas de vezes em locais onde as ondas não são as mais adequadas para a iniciação ao surf, entrando em conflito principalmente com surfistas locais, é urgente que se definam quais as zonas reservadas para as escolas de surf desenvolverem a sua actividade, tendo nessas zonas prioridade relativamente aos restantes.Isto leva-nos a outra questão. O surf é um desporto, estamos todos de acordo neste ponto, então neste caso terá de obedecer à regulamentação desportiva por via da Federação Portuguesa de Surf (FPS), mas as escolas de surf têm o seu foco de actividade muito mais direccionado para o turismo e não para a preparação de atletas para a competição, pelo menos a grande maioria delas, principalmente as que estão agregadas a “SurfCamps”, isto leva-nos desde já a uma diferenciação da actividade, que no meu ponto de vista terá também de ser contemplada por legislação. Ainda neste ponto, poderemos abordar a questão dos treinadores e monitores de surf, que também devem eles estar devidamente credenciados, e estão, pela Federação Portuguesa de Surf, mas que ao que julgo saber não existe uma diferenciação de substância nos cursos para os direccionar para uma ou outra via (surf turismo/surf competição). Ainda relativamente à actividade dos treinadores/monitores, é de grande importância que os responsáveis das escolas de surf instruam os seus funcionários para que quando se deslocam com um grupo para a praia é para os treinarem e/ou ensinarem, e não para irem fazer surf, andando com os alunos atrás, enquanto fazem umas ondas, pois isto acontece com alguma frequência, e não é essa com toda a certeza a sua função nem é para isso que estão a ser pagos. Por outro lado, as escolas de surf deveriam estar registadas, e ter um alvará de actividade passado pela Câmara Municipal da área de residência onde estão sediadas, e só para a zona delimitada do seu concelho, em que a taxa deveria ser paga à Câmara e não como agora acontece. Não concordo que uma escola de surf sediada em Freixo-de-Espada-à-Cinta, pague a sua taxa na Direcção Geral do Turismo e depois venha para Peniche de armas e bagagens usufruir da nossa costa sem nada dar em troca, nem sequer postos de trabalho. Isto, na minha opinião, é muito injusto para quem está sediado cá. Cada um deve estar nas suas zonas, potenciando o melhor possível o seu negócio, mas contribuindo para o desenvolvimento da região onde está sediado, e não usufruindo das condições sem nada dar em troca, pois no mínimo é injusto para aqueles que residem na região.Não sendo jurista, pretendi com estas linhas, ainda que de uma maneira muito superficial, levantar algumas questões relativamente ao que julgo ser um vazio legislativo que não pode continuar durante muito mais tempo, assumindo desde já “mea culpa” se de algum modo cometi alguma “gaffe” relativamente à análise que fiz e à legislação em que me baseei para a mesma. No entanto, acho que é de todo imprescindível que quem de direito legisle muito especificamente nesta matéria, pois só assim poderemos ter um desenvolvimento sustentável e justo, numa actividade que pretende também ser credível por força de lei, não esquecendo que representa já uma fatia importante na economia local onde está implantada, nomeadamente na penicheira.
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Novembro 2016
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