Escrito por: José Miguel Nunes Veio a público esta semana, notícia sobre as novas regras a cumprir pelas Escolas de Surf, da responsabilidade da Capitania do Porto de Lagos, nas praias que supervisiona, que se estendem desde Odeceixe até à Meia Praia em Lagos, conforme editais (nº002/2014 e nº003/2014) daquela autoridade marítima, datados de 15 de Janeiro de 2014. A questão que se coloca não será se as ditas regras estão bem ou mal elaboradas, nem nos vamos (para já) debruçar sobre isso, obviamente que umas terão lógica existirem, enquanto outras, nem tanto, mas para já esse não é o problema de fundo, pois isto não é mais que uma medida “ad-hoc” tomada relativamente a uma questão, que é global, que só terá implicações a nível regional, sem ter em conta toda a envolvência do problema, o surf e o negócio que o envolve. O surf está na ribalta, é mediático, dá retorno, e está a ser encarado, no meu ponto de vista mal, como a “salvação da pátria” relativamente ao turismo. Tenho sido e sou, defensor de que o surf é um nicho de mercado (turístico) bastante importante para a economia de determinadas regiões, claro que é, tenho-o defendido desde sempre, mas daí a massificá-lo (que é o que está a acontecer) de modo completamente anárquico, de tal forma que acabaremos por destrui-lo, vai uma grande distância. Tenho também dito que quando o surf fosse apetecível a nível politico e em consequência pelos lóbis a ele estreitamente ligados, a coisa se iria complicar, pois o único interesse para esses “players” é o vil metal e os cinco minutos de fama. Encaram o surf unicamente como um negócio, pondo completamente de parte a vertente desportiva e, mais importante, a vertente social, de estilo de vida, de subcultura, que é, ao fim e ao cabo, o que o sustenta. Ao delapidarmos a vertente social do surf, corremos o sério risco de delapidarmos também, a vertente económica do surf, e de modo irreversível. Todos nós, nomeadamente os mais velhos, e eu faço surf há trinta anos, vemos e sentimos que o surf, e tudo o que o rodeia, evoluiu, era inevitável que acontecesse, e esta evolução apresenta obviamente aspectos negativos, mas também aspectos positivos, não os escamoteemos, nem uns nem outros. O surf é diferente da esmagadora maioria das outras actividades, pois encerra em si, aspectos ambientais, sociais, económicos e desportivos, e só a conjugação harmoniosa de todos eles, possibilita que esta actividade não perca identidade e ao mesmo tempo possa ser viável e aceite por todos os agentes nela envolvidos, desde o “free surfer” até ao nível profissional (atletas e empresas). O surf tem de ser pensado de modo abrangente, pois a sua actividade, também ela é abrangente, e ao definirmos um conjunto de regras, como as acima referidas, especificamente para uma das subactividades do surf, estamos a ser sectários, e a tentar resolver um problema no curto prazo, tapando o sol com a peneira, o que mais tarde, inevitavelmente criará um problema ainda maior. As escolas de surf, nomeadamente as suas actividades na praia, são apenas a ponta final desta engrenagem do negócio do surf, a parte mais visível, e que a todos nós, surfistas, por razões óbvias, mais nos afecta diretamente, no entanto, não serão porventura elas também, as escolas, o “elo mais fraco”? e daí serem elas as visadas nas medidas agora impostas (naquela zona). O ter uma Escola de Surf não implica que se tenha também um Surf Camp, até conheço alguns casos, mas como também todos sabemos, na esmagadora maioria não é assim. No meu ponto de vista, a base (turística) do surf são os Surf Camps, e é por aqui que se deverá começar, pois se regularmos bem a base, isso terá implicações (benéficas) na restante estrutura, só que é mais difícil, dá mais trabalho, vai mexer com lóbis instalados, nomeadamente o hoteleiro, que tem criado bastantes entraves a por exemplo, definir uma figura específica dentro da sua hierarquia de categorias para estes alojamentos. É imperativo que os Surf Camps tenham uma categoria específica, de modo a que se possam criar um conjunto de regras direcionadas à sua actividade, de modo a que elevem a qualidade em detrimento da quantidade na base da oferta, e isto não se faz com legislação adaptada, mas sim, com legislação específica. Só depois, seriam complementadas com regulamentação, as restantes ramificações do negócio, nomeadamente as escolas, onde se poderiam incluir até, algumas das regras patentes neste editorial lançado pela Capitania do Porto de Lagos, pois uma parte dos problemas acabariam logo por morrer na base, como consequência da legislação especifica sobre os Surf Camps. Este é apenas um dos muitos aspectos que devem ser vistos com o cuidado devido, talvez o mais importante, mas não devemos descurar os outros, como por exemplo a componente formativa dos instrutores/treinadores/monitores, competência da Federação Portuguesa de Surf, bem como as componentes ambiental e social, esta última, numa ligação estreita às associações e clubes de surf, que em última análise defendem os interesses das comunidades endógenas, estas também com direitos, não o esqueçamos. Estamos portanto a falar de sustentabilidade, e nunca é demais relembrar que este conceito só é aplicável se se cumprirem os seus três pilares em simultâneo, o ambiental, o económico e o social. Se não seguirmos este desígnio sustentável, o surf tenderá a tornar-se em mais um produto económico, dependente da massificação, sem qualquer identidade, que passará de moda, como qualquer outro, e que apenas serviu para que meia-dúzia de agentes, ganhassem dinheiro com ele, e que passarão para o próximo negócio que na altura esteja mais na moda, como agora está o surf. Não é com medidas “ad-hoc”, como as que a Capitania do Porto de Lagos lançou, que resolvemos o problema, pois se queremos um negócio sustentável com base no surf e em toda a sua envolvência, temos de começar por legislar na base e não no topo, articulando todas as suas componentes, e respectivas entidades reguladoras, a um nível que não o regional, ou qualquer dia caímos no ridículo de termos de nos fazer acompanhar de um livrinho de instruções com as regras de cada uma das regiões, para a mesma actividade… aqui fazemos de uma maneira, ali fazemos de outra…
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Novembro 2016
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