Escrito por: Edgar Henriques O Surf é um desporto “sui géneris” porque para usufruir dele, não depende apenas da vontade do surfista, mas sim das condições naturais necessárias para a sua prática. Se a “mãe” natureza não nos proporcionar as ondas, dificilmente conseguimos surfar. A essência do surf, não se coaduna com o uso de instalações desportivas artificiais, mas a evolução da modalidade está a seguir um caminho diferente, e levou ao aparecimento de equipamentos modernos, como os, (Wave Gardens e Piscinas de Ondas), onde não temos de esperar pelo Swell, ou ter a preocupação com o vento ou marés, para realizar uma “surfada”. Mas o local original da prática do surf é na realidade o mar, logo este vasto oceano será a melhor instalação desportiva natural para a prática da modalidade. A Natureza e o Surf, tem sido ao longo dos anos indissociáveis, por este facto se refere que o Surf é um desporto de natureza. O surf poderá em minha opinião ser entendido de duas formas bem distintas, nas suas origens era considerado como uma “religião” ou “culto”, depois passou a ser um “modo de vida”, só mais recentemente lhe chamaram Desporto, hoje, outros enquadram-no no Turismo de Natureza ou Ativo, e ainda há alguém que o apelida de Atividade de Animação Turística. Qualquer uma das abordagens estará correta, dependendo da forma como nos queremos posicionar em relação ao contexto onde está englobado ou agregado. Se a nossa visão do Surf, for direcionada para a vertente Desporto, ainda o podemos subdividir em:
Para uma maior proximidade entre o Desporto, Turismo e Ambiente, foi criado pela Resolução de Conselho de Ministros nº 112/98 de 25 de agosto, o Programa Nacional de Turismo de Natureza, aplicável na Rede de Áreas Protegidas. Em 1999, através dos Decretos Regulamentares nº 18/99 e nº 17/2003, estes visam regulamentar a animação ambiental em diversas vertentes nas quais o desporto de natureza também está inserido. Na realidade este instrumento disciplinador, concertado entre os organismos á data designados por ICN, hoje Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, DGT, atualmente Turismo de Portugal IP e IDP, presentemente designado por Instituto Português do Desporto e Juventude, é e continua a ser bastante útil, só é de lamentar que ele apenas seja aplicado nas Áreas de Paisagem Protegida, aspeto que o torna muito redutor. Esta legislação poderia ser muito mais abrangente e incluir as Zonas de Orla Costeira, Rios, Lagoas e Albufeiras e também as florestas, que não pertençam á Rede de Áreas Protegidas. Numa perspetiva relacionada com Turismo, no caso de considerar-mos que o Surf faz parte dele, e podemos faze-lo com base no Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT), que nos informa que o surf, está englobado no Turismo de Natureza e este faz parte de um dos dez produtos turísticos estratégicos. A sustentação desta afirmação poderá ainda ser baseada no Decretos Lei nº 47/99 e nº 56/2002, que descrevem que os Espaços Naturais surgem cada vez mais no contexto nacional e internacional, como destinos turísticos em que a existência de valores naturais e culturais constituem atributos indissociáveis do turismo. Afirma também que o Turismo de Natureza é um produto turístico, composto por, estabelecimentos, atividades e serviços de alojamento e animação turística e ambiental. O Decreto-Lei n.º 191/2009 estabelece as bases das políticas públicas de turismo, enquanto setor estratégico da economia nacional, e define os instrumentos para a respetiva execução. No artigo 2º deste decreto está referida uma lista de conceitos tais como: a) «Turismo», o movimento temporário de pessoas para destinos distintos da sua residência habitual, por motivos de lazer, negócios ou outros, bem como as atividades económicas geradas e as facilidades criadas para satisfazer as suas necessidades; b) «Recursos turísticos», os bens que pelas suas características naturais, culturais ou recreativas tenham capacidade de motivar visita e fruição turísticas; Já o seu artigo 9º, fala-nos dos objetivos e meios dessa política, no qual destaco alguns dos os meios para atingir os objetivos: b) Incentivo à instalação de equipamentos e à dinamização de atividades e serviços de expressão cultural animação turística, entretenimento e lazer que contribuam para a captação de turistas e prolongamento da sua estada no destino; c) Fomento da prática de um turismo responsável, promovendo a atividade como veículo de educação e interpretação ambiental e cultural e incentivando a adoção de boas práticas ambientais e de projetos de conservação da natureza que permitam uma utilização eficiente dos recursos, minimizando o seu impacto nos ecossistemas; Deve ser considerado também o artigo 18º, que nos fala dos Fornecedores de Produtos e Serviços Turísticos: d) Empresas de animação turística e operadores marítimo--turísticos; Seguido este contexto, a atividade do surf, terá obrigatoriamente de ser enquadrada na classe dos Agentes de Animação Turística, onde se incluem as empresas de animação turística, por este facto regidas pelas leis do turismo, tutelada pelo Turismo de Portugal, IP. O Decreto Lei nº 108/2009, veio estabelecer o enquadramento legal das Atividades de Animação Turística, esta anteriormente era disciplinada pelo 204/200, o qual se revelava desajustado da realidade. O atual diploma define o que são atividades de animação turística, através de uma fórmula aberta, de modo a permitir o enquadramento de novas modalidades de animação turística, que constantemente surgem no mercado. Permite o regime de acesso à atividade, independentemente da modalidade de animação exercida. Cria também o Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística (RNAAT), instrumento que serve para uma melhor relação com os agentes a operar no mercado, possibilita também a monitorização e a fiscalização do setor. O decreto nº 108/2009, descreve o seguinte: v Artigo 3º, ponto 1 — São consideradas atividades próprias das empresa de animação turística, a organização e a venda de atividades recreativas, desportivas ou culturais, em meio natural ou em instalações fixas destinadas ao efeito, de caráter lúdico e com interesse turístico para a região em que se desenvolvam. Artigo 8º, ponto 1 — As denominações de empresa de animação turística e de operador marítimo -turístico só podem ser usadas por empresas registadas como tal no RNAAT. Artigo 20º, ponto 1 - As empresas de animação turística, os operadores marítimo -turísticos e as agências de viagens autorizadas a exercer atividades de animação turística nos termos previstos no artigo 53.º -A do Decreto -Lei n.º 209/97, de 13 de agosto, alterado pelo Decreto -Lei n.º 263/2007, de 20 de julho, que pretendam obter o reconhecimento da suas atividades como turismo de natureza devem apresentar o respetivo processo instruído com os seguintes elementos: a) Lista das atividades disponibilizadas pela empresa; b) Declaração de adesão formal a um código de conduta das empresas de turismo de natureza, a aprovar por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ambiente e do turismo; c) Projeto de conservação da natureza, quando aplicável. Artigo 24º, Exclusividade em áreas protegidas, …empresas que tenham obtido o reconhecimento como atividades de turismo de natureza…as seguintes atividades de animação turística: p) Surf, Bodyboard, Windsurf, Kitesurf, e atividades similares. A prática da atividade do surf, tem ainda de ter em linha de conta o estipulado pelo Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, concretamente no que diz respeito ao Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC). Não deve ser ainda descurada a legislação aplicada pela Autoridade Marítima Nacional, concretamente naquilo que está delegado às Capitanias dos Portos. Esta miscelânea de legislação que gira em torno do surf, prova mesmo que ele é um desporto ou atividade de turismo ativo, muito diferentes de algumas outras. A legislação existente, de acordo com a realidade, não satisfaz, é confusa e de difícil interpretação e aplicação. Será necessário, criar novos instrumentos de orientação legal, para disciplinar a atividade do surf, nas suas mais diversas formas de fomento. Há que diferenciar o Surf de âmbito Federado, daquele que se pratica em Lazer e ainda enquadrar, aquele que se pratica na ótica do Turismo Ativo. Todas estas abordagens ao Surf, tem perspetivas bem diferentes, os interesses também divergem, por este aspeto não podem, nem devem ser colocados no mesmo “barco”, há que separar as “águas” e cada um seguir o caminho, para o qual seja norteado pela futura legislação. Que as partes interessadas no assunto, se envolvam, discutam e aprovem os diplomas que melhor defendam as suas áreas de intervenção, para que a modalidade ou atividade cresça ainda mais e de uma forma salutar. Surf, Desporto ou Turismo Activo? Ambos se possível, cada setor com a sua dinâmica, mas com objetivos comuns, dando respostas positivas no progresso da economia local e nacional, através da criação de emprego, dinâmica de negócio e produtividade.
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“Hóspedes da Utopia” é a frase que vem na capa da Surf Portugal de Fevereiro. No editorial da mesma revista, mais um grande texto de João Valente, intitula-se: “De utopias e Realidades”, e começa com uma citação de Eduardo Galeano: “A utopia está sempre no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Não pude deixar de pensar: será que o surf penicheiro vive refém de uma utopia?, ou serei eu?, já nem sei, às vezes falta só um bocadinho e penso que é desta, mas depois, na hora da verdade, acabamos por ficar novamente para trás. Ao longo desta caminhada, difícil e muitas vezes injusta, alcançámos alguns feitos que muitos achariam impossíveis, lá está, utópicos, conseguimos. Mas é estranho, pois fico com a sensação que só nos deixam avançar até onde querem, e voltam novamente a meter-nos no sítio que acham que é o “nosso lugar”. É esta a impressão com que fico ao analisar esta caminhada que o surf penicheiro vem a fazer nos meandros dos grandes interesses que o surf começa a ter a nível nacional. Até parece que não fomos nós que alcançámos e merecemos tais feitos, mas que foram eles que nos deixaram lá chegar, quase que como um engodo, como um doce que se dá a uma criança para que ela se porte bem. Foi frustrante não termos sido englobados na criação da primeira Reserva Mundial de Surf na Europa, onde o objetivo deveria ter sido, o de proteger a totalidade da melhor costa de ondas do País, e não, só uma parte dela. Fico a pensar se não terá sido algum tipo de retaliação, ou se foi simplesmente o colocarem-nos mais uma vez no “nosso lugar”. Foi frustrante não termos ficado a fazer parte da rede denominada “World Surf Cities”, quando somos o único local do País com uma etapa do “World Tour”, onde pontifica um dos melhores “beach breaks” do mundo, e uma terra rodeada dos mais diversos tipos de ondas, com um potencial enorme em termos de crescimento no que há indústria do surf diz respeito. Mais uma vez dá a sensação de nos quererem colocar no “nosso lugar”. Recentemente, foi criado um grupo de trabalho liderado pela Universidade Nova de Lisboa, onde a Organização Não Governamental SOS - Salvem o Surf é parceira, com o objetivo de determinar o valor económico, ambiental e social do surf em Portugal, um mega projeto verdadeiramente importante para o futuro do surf no país. Em meados do passado mês de Novembro iniciaram-se as reuniões preparatórias do mesmo, o surf penicheiro foi convidado a participar. Participou e partilhou informação, e agora quando definiram finalmente quem fazia parte do grupo, voltámos a ser colocados no “nosso lugar”, ou seja, voltámos a ficar de fora. A minha pergunta é simples: Será utópico pensar que o surf penicheiro algum dia chegará lá, será utópico pensar que algum dia o surf penicheiro terá uma palavra a dizer nas decisões importantes relativamente ao que se pensa, estuda e decide relativamente ao surf em Portugal, ou continuaremos naquele lugar em que somos convidados a ouvir o que foi decidido, de boca calada e olhar envergonhado, agradecidos ainda pelo facto de nos terem convidado a ouvi-los. Os jogos de interesses, começam também agora cada vez mais a fazerem parte do fenómeno surf, e de quem tenta a todo o custo liderar o processo. Todos sabemos que nestes jogos de poder há sempre quem tenha de ser “queimado”, e no surf, somos sempre nós, continuando a máxima a ser: Lisboa (leia-se até à Ericeira) é Portugal, o resto é paisagem, e nós, paisagem, estamos cá para acatar as ordens daquilo que eles lá em Lisboa (leia-se até à Ericeira) decidem. Não podemos nem devemos aceitar de ânimo leve estas situações, e acima de tudo não devemos continuar cabisbaixos e de sorriso nos lábios no lugar para o qual frequentemente nos empurram. Temos de dizer alto e bom som perante todos, sejam eles quem forem, e acima de tudo sem medo, que Peniche e o surf penicheiro merece e exige ter outro lugar no surf nacional. “Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”, e agora acrescento eu, caminhar de cabeça bem levantada, olhos nos olhos seja de quem for. Está confirmado para Peniche, por alturas da etapa do “World Tour”, o primeiro festival de cinema de surf em Portugal, o SURF FILM FESTIVAL – PORTUGAL, uma organização conjunta entre a jornalista Luísa Sequeira e o “site” SurfTotal.com, onde a Câmara Municipal de Peniche, penso ser também parceira, e se não é deveria ser. Obviamente, e compreensivelmente que a integração desta mostra cinematográfica na etapa do WT faz todo o sentido, pois com o enorme aglomerado de pessoas interessadas neste desporto, que nessa altura se deslocam à Capital da Onda, é uma garantia de sucesso para o mesmo. Tenho sido bastante crítico relativamente à questão de a cidade de Peniche ao longo destes três últimos anos em que decorreu esta etapa, ter passado completamente ao lado do evento, não retirando qualquer proveito do mesmo no que concerne ao potencial de visitantes que o número de espectadores na praia faria prever. Tem sido constrangedor assistir a uma cidade completamente deserta, quando a dois ou três quilómetros de distância estão uns milhares largos de pessoas na praia. Tenho dito e escrito, que na minha opinião, isso deve-se ao facto de nada ter sido feito na cidade que atraia essas pessoas, o que faz com que as mesmas depois de terminada a prova, se vão embora, para regressarem no dia seguinte, e assim sucessivamente durante todos os dias em que a etapa decorre. Espero que a Câmara Municipal de Peniche, que acima de tudo tem a obrigação de promover e potenciar um evento desta magnitude em prol da economia local, tenha tomado isso em consideração, e que este festival se realize dentro da cidade, e não numa qualquer estrutura montada para o efeito, englobada na já de si enorme estrutura de praia. Por outro lado, a tendência de o levar para o Baleal é grande, o que no meu ponto de vista não trás qualquer benefício, pois aquela zona está já, e bem, devidamente promovida, onde a dita “economia do surf” está enraizada e a dar frutos. É essencial alargarmos horizontes nesta matéria, é essencial envolver a cidade de Peniche neste evento, e se ao longo destes três anos nada se fez nesse sentido, e as razões nesta altura pouco importam, está aqui uma boa oportunidade de “emendar a mão” e de uma vez por todas de o fazer. Traga-se este festival para o interior de Peniche, envolva-se a capital da Capita da Onda de uma vez por todas neste enorme evento que é o RIP CURL PRO PORTUGAL, e vamos juntar ao título de “the coolest mayor on tour” o de “the coolest town on tour”. |
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Novembro 2016
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